Nem segurança do Vasco, nem Gepe registraram ofensas raciais com cascas de banana em São Januário
Sábado, 28/04/2018 - 01:43
Em dezembro um torcedor do Independiente imitou macaco, em direção aos do Flamengo, na primeira partida decisiva da Copa Sul-americana, na Argentina. A imagem não deixava dúvidas mas o ato isolado foi o bastante para a generalização. Não faltou no Brasil quem afirmasse que todos argentinos são racistas.

Reflexo da irresponsabilidade de maus influenciadores de redes sociais e péssimo jornalismo: ódio de rubro-negros em relação aos "rojos" no jogo de volta, agressões aos argentinos, confusão e punição ao Flamengo em 2018. Entre outras razões, pelo ataque ao hotel da delegação do time "hermano".

Semana passada a cena se repetiu. Um torcedor do Racing fez gestos do mesmo tipo em direção aos vascaínos que foram a Avellaneda ver a partida pela Liberadores. Ao contrário do Independiente, seu rival emitiu de imediato nota oficial lamentando o fato, repudiando a atitude racista e prometendo esforços para identificar e punir o elemento, banindo-o de suas partidas.

Com isso o fato parecia superado, até pelo ótimo entendimento entre os dois clubes, inclusive no que se referia às torcidas visitantes. Mas cascas de banana apareceram durante os 90 minutos na noite de quinta-feira nas mãos de vascaínos revoltados, que acenavam para as câmeras de TV exibindo-as.

Pronto: todos os argentinos voltaram a ser chamados de racistas e não foram raros os que afirmaram ter sido a torcida do Racing a responsável pelos restos da fruta atirados no setor destinado à do Vasco.

Obviamente esta é uma possibilidade. Quem não tem responsabilidade com a informação e as possíveis consequências de conclusões precipitadas e generalizações, obviamente as propagou. Essas pessoas nada aprenderam com o episódio de 2017. Pronto, pora esses, agora os argentinos se tornaram responsáveis por aquilo e todos que vêm de lá são racistas, é o que alguns afirmam.

Evidentemente a presença de cascas de banana parece evidenciar que alguém ali as jogou com intuito de ofender. Mas elas nada provam. É possível que um ou outro argentino tenha feito isso, sim, da mesma forma que uma pessoa possa ter comido as bananas e atirado fora as cascas. Até um xenófobo de qualquer nacionalidade pode ter provocado a situação deliberadamente, com o objetivo de espalhar ódio em relação aos estrangeiros.

O blog procurou a pessoa do Vasco que acompanhou e esteve com a torcida do Racing durante toda sua passagem pelo Rio se Janeiro. O Superintendente de Patrimônio, Márcio Nogueira, respondeu à pergunta sobre a acusação de que "hinchas" do Racing teriam atirado bananas em vascaínos:"Estive lá e não vi nada disso. Nem ouvi nada na frequência do rádio", acrescentou, em referência à comunicação da segurança privada contratada pelo clube.

Além de dizer que não presenciou indício de que os argentinos atiraram bananas na torcida do Vasco, ele explicou que os seguranças costumam relatar acontecimentos desse tipo quando alguém tem atitudes do gênero.

Nogueira conta que do segundo tempo em diante a segurança na torcida visitante passou a ser feita apenas pelo Gepe, o Grupamento Especializado em Policiamento de Estádios. "Não foi observado esse fato, nem relatado nada parecido durante o período em que a torcida argentina permaneceu na arquibancada", informou ao blog o Major Silvio Luís, que comanda esta divisão da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

"Não é permitido entrar com alimentos. Os argentinos presentes foram escoltados desde Copacabana, revistados no local, os ônibus também e depois na entrada do estádio. Dentro do estádio na arquibancada, não acredito que tenha acontecido (racismo). Pois com certeza os torcedores procurariam a polícia, e o policiamento estava em volta das duas torcidas. Não digo que não ocorreu. O certo é que o policiamento permaneceu todo tempo com a torcida Argentina, seguranças privados também , não foi observado e nem torcedores procuraram relatando o fato", assegura o Major que lidera o Gepe.

Evidentemente pode ter ocorrido ação isolada de alguma pessoa não observada por seguranças e policiais. "Pode ter sido lançada em um gesto isolado. É tudo suposição, oficialmente nada chegou" reforçou Márcio Nogueira, ressaltando que as torcidas não se vêem devido a um plástico preto separando-as. "Estive no meio da torcida (do Racing) e pude observar que existiam muitas mulheres e crianças, também acho pouco provável a torcida do Vasco ter plantado isso" diz o Superintendente de Patrimônio do clube carioca.

Racismo é crime, algo abominável e que deve ser combatido e denunciado. Gaúchos não são um povo racista porque certa vez torcedores em Porto Alegre ofenderam o goleiro Aranha, então no Santos. Tampouco cariocas merecem esse rótulo devido à atitude do gênero registrada contra familiares de Vinicius Júnior, do Flamengo, durante um clássico disputado no Rio de Janeiro. Argentinos também não são obrigatoriamente racistas porque um torcedor idiota imitou macaco em dezembro e outros em abril - palmeirenses reclamaram de alguns do Boca Juniors, em Buenos Aires, quarta-feira. A generalização leva à xenofobia, tão abjeta quando o racismo e outras demonstrações gratuitas de ódio pela cor da pele ou origem de seres humanos.

E jornalismo se faz com informações, não suposições. Se novos fatos forem apurados, atos racistas confirmados e responsáveis identificados, os mesmos deverão ser punidos de acordo com a lei. Mas desconfiar de que um estrangeiro foi racista não dá a ninguém o direito de ser xenófobo. Já temos problemas demais em nossa sociedade, absurdo alimentar ódio entre povos por causa de ações isoladas de raros biltres ou meras suposições.



Fonte: Blog Mauro Cézar Pereira - ESPN.com.br