Quem viu o sorridente e aparentemente garoto Thiago Galhardo mal saber o que fazer depois de marcar seu primeiro gol com a camisa do Vasco, no último fim de semana, talvez não imagine pelo o que passou o meia de 28 anos. Antes dos 30, ele garante, com argumentos: já é um jogador experiente. Não por causa de títulos ou prêmios individuais, mas por causos da vida.
Thiago Galhardo é carioca, mas foi para Minas Gerais ainda jovem, com a família. Lá, jogava futebol e estudava. Nunca pensou em largar a escola por causa da paixão pela bola, apesar da dura rotina entre estudos e treinos. Passada adolescência, o agora meia teve de tomar uma difícil decisão.
Ele tinha passado em um concurso público da Petrobras para receber R$ 4.500 por mês, em 2009. O pai queria que ele aceitasse. Com a proposta em mãos, viajou ao Rio de Janeiro para um teste no Bangu. No primeiro treino, teve de se virar na zaga.
- Agradeço até ao Mazola, que hoje ainda está no Bangu. Me deu um treino de 20 minutos, como zagueiro. É algo que nunca contei. Eu sempre fui volante. Então, na hora lá, perguntaram quem era zagueiro, mas só tinha um e seis volantes. Eu era o mais alto. E aí acabei indo para a zaga num treino de 20 minutos. Fui aprovado - relembra Galhardo.
O treino era de 20 minutos, mas com 15 Galhardo já foi tirado, porque estava aprovado. Foi para a sala assinar o contrato (com a aprovação na Petrobras em mãos) e teve de tomar talvez a mais difícil decisão da sua vida, pelo menos até agora: aceitar jogar no Bangu ou voltar para Minas Gerais e trabalhar na estatal? Ele decidiu seguir seu sonho, mas teve de encarar as consequências.
- O maior arrependimento seria não ter feito tudo o que eu fiz. Tenho de agradecer à minha mãe e tento retribuir de todas as formas o que ela fez por mim. O casamento dos meus pais acabou por causa dessa situação. Não me sinto culpado, pelo contrário. Acho que no lugar da minha mãe faria a mesma coisa, principalmente por um filho - explica.
Galhardo ainda teve de superar a saudade. Morava sozinho no alojamento do Bangu, até que ligou para a mãe e avisou que largaria tudo para voltar para casa.
- Fiquei seis meses sofrendo, morando no Bangu mesmo. Foi quando liguei para a minha mãe e disse que ia desistir de tudo. Ela perguntou por que, já que eu era sempre elogiado por todo mundo. Mas eu não aguentava mais morar debaixo de arquibancada. Eu disse que precisava que ela viesse embora. Ela largou três concursos públicos, era professora. Ela veio, alugou uma casa pequena e trouxe meu irmão - conta o meia.
Depois do Bangu, Thiago Galhardo foi para o Botafogo, clube no qual acredita ter vivido um de seus melhores momentos. Mas derrapou. As facilidades da vida de jogador de futebol atrapalharam a evolução do atual meia do Vasco, que não conseguiu se firmar. Em 2014, por exemplo, ele disputou só cinco partidas, por Boa Esporte e Brasiliense.
Naquele ano, decidiu que queria recomeçar. Reencontrar o rumo para voltar a ser elogiado, voltar a ter destaque. Foi quando a carreira de Thiago Galhardo voltou aos trilhos, podemos dizer.
- Era tudo muito novo para mim, um menino que nasceu no Rio, foi muito cedo para Minas, fiquei 14 anos lá. Tinha passado num concurso da Petrobras, larguei tudo, o certo pelo incerto. E de fato foi difícil vencer. Mas quando venci foi tudo muito rápido. A mudança para o profissional, fama, dinheiro... Tudo mudou, mexeu muito comigo - recorda, sem se arrepender.
E foi justamente a mãe e os irmãos que colocaram Galhardo no rumo certo.
- Eu vi que estava fazendo mal para mim mesmo. Em 2011, eu comecei a só manter nível de atuação. Mas como eu fazia muita... (pausa). Não é merda, mas tinha a questão da bebida, acabava saindo. Eu não conseguia desempenhar meu melhor. Ainda mais eu que sou um cara que precisa dormir. E isso acabava me atrapalhando. Minha mãe falava, meus irmãos falavam - explica.
Depois dos deslizes, o meia procurou novamente o rumo do sucesso. No ano passado, emprestado pelo Coritiba, teve provavelmente a maior experiência profissional e pessoal ao jogar por 10 meses no Albirex Niigata, do Japão. Lá, teve de encarar uma rotina dura de treinos e uma cultura diferente da qual estava acostumado no Brasil.
- Lá a gente vive de outra maneira. Outras culturas, outras questões. O respeito, a questão profissional, a estrutura que te dão para trabalho. O tanto que querem que você esteja 100% o tempo inteiro. Uma coisa que até trouxe para o Brasil é que o nosso treino era 9h30 e todo dia 7h30 os japoneses estavam treinando. Eu me sentia o culpado da história sendo que não estava errado - brinca.
O maior medo de Galhardo no Japão era o idioma. No começo, inclusive, contou com a ajuda de um tradutor até em restaurantes.
- Ninguém falava inglês na minha cidade, então eu tinha de ligar para o tradutor do restaurante para ele fazer o pedido - relembra, aos risos.
Hoje, aos 28 anos, Galhardo tem mais uma chance de brilhar no futebol carioca - ao lado dos irmãos, da mãe e de toda gente que o apoiou nas decisões difíceis que teve de tomar. Por isso, não titubeia ao dizer:
- Já sou experiente, sim. Primeiro por essa decisão que tive de tomar. Acho que poucas pessoas trocariam o certo pelo duvidoso. Muitas abririam mão do sonho. Conheço tanta gente que faz as coisas porque os pais pedem...
Fonte: GloboEsporte.com