Técnico do Universidad de Concepción analisa o time do Vasco após ter visto os últimos 15 jogos do time
Faz pouco mais de um mês que a maior obsessão da vida de Francisco Bozán é o Vasco. Desde que o sorteio colocou o clube brasileiro no caminho da Universidad de Concepción na segunda fase da Libertadores, o jovem treinador, de apenas 31 anos, se debruçou na tarefa de dissecar o rival. A partida de ida acontece nesta quarta-feira, às 21h45 (de Brasília), no Chile.
Bozán encontrou dificuldades curiosas, como o hábito do Vasco em não usar numeração fixa, ou então o problema que são os apelidos para identificar um jogador desconhecido. Agora, com o dever de casa feito, o treinador do time chileno é capaz de dissertar sobre todas as variantes do Vasco, suas armas e suas funções.
- Vocês têm uma organização em Brasil que a numeração da camisa vai de 1 a 11, e nós não. Isso foi o que mais nos custou. Num jogo o Caio Monteiro era o 20, depois 19. Vocês não usam o nome e o sobrenome. É Ricardo Graça, o segundo sobrenome. Yago Pikachu é um apelido. O mesmo que Nenê, Paulinho. Começar a descobrir quem era quem foi algo importante para nós.
O método de Bozán para identificar seus adversários foi simples, quase braçal.
- Levamos um mês para entender quem era quem. Foi muito mais fácil ter a foto de cada um e aprender os movimentos dos jogadores. E aí determinar perfeitamente quem está jogando. Que não é Guilherme, é Yago Pikachu. E ele está jogando de lateral-direito, não de ponta – explicou.
Bozán fala do Vasco com a mesma naturalidade com que analisa seu sucesso na UdeC. Ele chegou há um ano e cinco meses para assumir um time que brigava contra o rebaixamento. Ficou em terceiro lugar no Campeonato Chileno e chegou à Libertadores.
No clima universitário da UdeC, Bozán fala como o jovem que é. Longe do ambiente formal do futebol brasileiro, ele conversa com torcedores e estudantes livremente, conversa com jornalistas sem a presença de assessores e surpreende pela clareza com que vê seu trabalho. Afinal, com 17 anos, ao ver que seria um jogador mediano, decidiu que continuaria atuando apenas para ser um bom treinador.
Confira a entrevista completa com Bozán:
Parece-me que, hoje, você é a pessoa mais famosa da cidade.
Não. A verdade é que sinto que aqui o famoso é o processo feito pela equipe. Estávamos lutando contra o rebaixamento no último ano. Chegamos neste processo, que foi muito difícil. E nessa luta ficamos em terceiro lugar. E assim conseguimos a vaga na Libertadores. Sinto que isso está sendo reconhecido. Pelo trabalho feito por trás, esse é o reconhecimento. Eu sou uma parte. Quem entra no campo é o grupo de jogadores.
Você imaginava este rendimento do time?
Não. Eu estaria mentindo para você. Iniciamos o campeonato para nos livrar do rebaixamento. Mas o que insisto é, com os frutos do trabalho, se consegue qualquer coisa. E esse campeonato lutamos até pelo título. Sinto que é fruto do trabalho. O grupo que está mais comprometido pode lutar pelo que quiser, isso é o futebol.
Você falou da dificuldade para estudar o Vasco. Feita a tarefa, que análise faz?
A primeira tarefa foi identificar os jogadores. A segunda foi a forma de jogar da equipe. Que me parece muito sedutora. É um time que busca ofensividade com os laterais, se projeta muito no campo rival. Por uma tendência lógica, joga com extremos de pé trocado. Wagner fecha na direita, e passa Pikachu. Paulinho na esquerda, e passa Henrique.
É um time que gera um alto volume ofensivo, e quando perde a bola tem grande pressão. Para mim era impressionante ver Nenê, pelo nível de jogador, pressionar quando perde a bola, assim como Rios. É um time muito experiente.
Acha que o Vasco sentirá a falta de Nenê?
Quando Nenê foi expulso, demos pouca importância ao jogo seguinte (contra o Nova Iguaçu). Não vimos. Há três dias teve o jogo mais importante contra o Flamengo, porque foi com o time titular.
Com Evander, Wellington e Desábato sentimos que tem uma dinâmica distinta no campo. Evander tem maior dinâmica e movimento, não tem a precisão da canhota de Nenê, mas faz outras ações importantes. Não sei se vai ser Evander ou Wagner ou Caio Monteiro ou Rildo. Mas independente, é um time muito ofensivo, que busca, mas deixa espaços.
Os dois zagueiros são canhotos. Sinto que falta um pouco esse zagueiro direito. Vamos procurar espaço para fazer dano. Vai ser um jogo interessante.
Qual foi o jogador que mais te chamou a atenção?
Wellington. Sinto que é um pouco a alma do Vasco no meio-campo. É quem inicia as ações, quem aproveita os espaços que deixam os pontas, quem muda a dinâmica. Quando vejo a partida, me sai o Wellington por toda a parte. Você vai se dando conta que esse volante é um jogador de grande mobilidade e de muita importância.
Erazo também, com sua experiência. Paulinho é uma caixa de Pandora, não se sabe se vai sair pela direita, pela esquerda, tem bom chute. Riascos foi uma surpresa, porque vinha jogando Rios ou Paulo Vitor. Me parece um jogador importante, físico, de boa técnica. A verdade é que o Vasco tem muitas variações.
E como é sua ideia de jogo para a Universidad de Concepción?
Gostamos de atacar, de manter o rival o mais acossado possível. Sem deixar de entender que o que mais importante é o resultado. Não nos interessa trocar o resultado por uma forma de jogo. E essa forma é manter o rival o mais tempo possível no seu campo de defesa, sem poder nos lançar nas costas. Quando você busca o gol, é inevitável que perca a bola, mas se te faço um gol, você reinicia o jogo. E se já perdeu a bola, te faço outro gol. Não ligamos tanto para a posse para poder arriscar.
Pressão alta depende muito do rival. Há rivais no Chile que não saem jogando e buscam o chutão. No caso do Vasco, gosta de sair jogando, com Desábato, com Erazo, Ricardo. Fazem um triângulo e habilitam Wellington e Evander para jogar. Antes buscavam muito Nenê, mas é uma equipe que inicia pelos lados, se não consegue vai pelo outro. Não creio que lance muitas bolas porque não tem um atacante muito alto.
Você é o treinador mais jovem do Chile. Sua geração de técnicos tem muita influência do Guardiola, e você tem ideias um pouco diferentes. Como criou esse estilo?
A forma com que você joga tem a ver com a forma de viver. Essa busca de arriscar, propor o jogo. É um pouco o que busco. E vou vendo que vão entrando algumas coisas. Observo muito e vou roubando algumas ideias e depois faço algo mais próprio, que tem a ver com minha filosofia de vida. É difícil ver um treinador que é atrevido e busca propor e no fim de semana não faz isso. É um pouco a personalidade que você transmite aos jogadores.
Gosto muito de ocupar os espaços, atacar os espaços, estar nos espaços. Se um jogador deixa o espaço, outro tem que ocupar. Até chegar ao gol rival.
Sendo tão jovem, como faz para convencer os jogadores das suas ideias?
Com trabalho. Se você inicia a semana, e o primeiro e o último trabalhos da semana têm uma relação lógica para uma forma de jogar, não precisa convencer os jogadores. Se convencem pelo que fazem. E ao fazerem, está a filosofia de jogo. A tarefa de cada um está desenhada para conseguir uma maneira de jogar. Sinto que a juventude não é obstáculo para nada, assim como a experiência não te garante algo.
Você também é psicólogo. Como isso te ajuda no futebol?
Na psicologia, como em qualquer carreira, quando ela entra em sua vida, molda sua vida. Eu penso como psicólogo. Relaciono estímulos com respostas dos jogadores. Não sei se elaboro alguma estratégia psicológica para chegar a um jogador, é uma parte minha. Sou psicólogo. E isso me permite ter alguma ferramenta de convencimento, de lidar, de unificar uma equipe para conseguir um objetivo.
Como foi sua carreira de jogador?
Fui para a Inglaterra com 17 anos. Quando voltei, tive um processo que em terminei jogando em divisões inferiores.
Minha ideia depois dos 17 anos foi jogar para ser treinador. Não me interessava mais ser jogador. Sentia que nao seria um grande jogador, mas sabia que tinha que jogar para ter conhecimento de vestiário.
Aposentei aos 23 anos, mas comecei a treinar aos 28. Estudei psicologia para ser treinador, joguei para ser treinador. Sinto que foram alguns plus que me deram ferramentas para desenvolver minha maneira.
A Inglaterra te influenciou?
Gosto do estilo britânico. Gosto de ser direto. Menos desenvolvimento e maior profundidade. É um pouco o que me representa. Chegar a maior quantidade de vezes ao gol.
Quem é sua maior influência como treinador?
Gosto muito do Marcelo Bielsa. Porque é um treinador que não só tem forma de jogar, mas deixa uma escola. E nessa escola vão surgindo novos conceitos. Se vamos ver os resultados, não sei se é o melhor. Mas te deixa esse legado. Guardiola também tem essa sensação de escola. E de outros vou pegando pequenas coisas. Gosto muito de Manoel Pellegrini.
Acompanha o futebol brasileiro?
Vi as últimas 15 partidas do Vasco. Fiquei com as últimas quatro, porque nas outras 11 mudaram toda a defesa. Você vai tendo ideias do jogador, do que ele busca. Quando consegue isso, vê os rivais que o Vasco enfrentou. Meu foco hoje é futebol chileno, porque quero competir. E somos obcecados com o próximo rival.
Futebol brasileiro tem algo especial, que é a alegria de jogar. Sinto que se joga o futebol como os brasileiros vivem. Eu gosto do país, das praias, da história. E se vê em campo. Um Nenê é um jogador típico do Brasil, por seu movimento, seu jeito. Nenê entra no campo e me faz desfrutar como treinador.
Está desapontado por não enfrentar o Nenê?
Não. Gosto muito de jogar, queria competir com Nenê. Mas não posso faltar com respeito a Evander e Wagner. São grandes jogadores. As vezes quando um jogador importante sai, fortalece a forma de jogar da equipe. Entra um outro jogador que estabelece novos vínculos e resulta num time mais forte.
Gosto do Nenê no individual, se relacionando com o coletivo, um pouco como fazia Ronaldinho em sua época. Vindo ou não, estávamos preparados. Não é um assunto de gosto, mas de profissionalismo. Não me interessa ver o Vasco, mas ganhar do Vasco. Romper o jogo do Vasco e encontrar os espaços para ganhar.
Fonte: GloboEsporte.com