Relembre a carreira de Dirceu, destaque da Copa de 1978 e morto em 1995 em acidente de carro
Quinta-feira, 11/01/2018 - 11:51
A tragédia de Dirceu

Racha de jovens abreviou vida do craque de três Copas e fez uma família de viúva e quatro filhos se reinventar

Uma vida dividida à força

Depois de 15 de setembro de 1995 a vida nunca mais foi igual para a família Guimarães. Dirceu, o chefe da casa, morreu ao ser atingido por um carro que fazia um racha irresponsável em uma avenida do Rio. Assim, o ídolo de times como Botafogo, Fluminense e Vasco partiu precocemente, aos 43 anos, deixando três meninos pequenos e uma viúva com o quarto filho do casal na barriga.

O mundo do futebol se comoveu com o adeus do craque de três Copas, em circunstâncias tão absurdas. Já na intimidade doméstica, a verdade é que a família estava quase sozinha a partir dali. Em meio à dor, a viúva Vania juntou forças para criar quatro rapazes e teve que contar com a transformação acelerada do primogênito Dirceuzinho, 17 anos, em homem da casa.

A memória coletiva guarda Dirceu como um atleta brilhante, Bola de Bronze na Copa de 1978, eleito o melhor jogador do futebol italiano (1985-86) numa época de gênios como Maradona. Da porta para dentro da casa da família, no entanto, o que prevaleceu foi o luto e a incerteza de como levar a vida. Mais do que isso, ficou a ausência de um marido amado e de um pai idolatrado.

A ideia era ficar de vez no Rio

Vania Guardia Guimarães estava cansada de peregrinar pelo mundo. Ao lado de Dirceu, a maior parte de sua vida havia sido experimentada em países como Espanha e Itália. Em 1995, o marido ainda atuava, no México. Neste momento a esposa fazia pressão para que a família se estabelecesse de vez no Rio. O acidente fatal aconteceria dias depois da volta definitiva do jogador a seu país.

"Maldito o dia que ele veio. Ele veio para eu ter uma gravidez normal, como toda mulher vai fazer os exames com o marido", relembrou Vania.

"Eu me arrependo de ter voltado ao Brasil, eu achava que a minha vida era difícil. Quase toda hora fazendo mudança, mudando de cidade, ficando em hotel. Achava a minha vida muito difícil, mal sabia que a vida lá fora é que era fácil", acrescentou.

Visita surpresa da mãe no dia da morte

No dia da morte de Dirceu, a mãe do jogador apareceu de surpresa na casa do filho, sem avisar, vindo de Curitiba. "Não sei, vim ver o meu filho", respondeu Dona Diva ao chegar, sobre a vontade súbita de estar com seu garoto.

Antes de sair para a pelada noturna, Dirceu levou a mãe ao supermercado perto de casa. Lá, brincaram com carrinhos de compras, assim como faziam na infância do jogador, em Curitiba. Não havia como saber, mas era uma despedida.

O azar de cruzar com um racha na Barra da Tijuca

Com a volta ao Brasil, Dirceu lidou com vários convites para jogar peladas. Os amigos estavam com saudades, e quase toda noite tinha uma chance de bater uma bola. Já na madrugada do dia 15 de setembro, o ex-meia da seleção voltava do futebol junto com o amigo italiano Pasquale Sazio. O jogador dirigia um Puma que pertencia ao filho mais velho – um carro de dimensões pequenas.

Pouco depois de se despedir do amigo Gil, ex-ponta do Flu, Dirceu passou por um sinal verde, cruzando a Avenida das Américas, na Barra da Tijuca. Neste momento, dois carros vinham disputando um racha, em alta velocidade. Um Monza com quatro ocupantes (dois casais) acertou o Puma do jogador em cheio. Sazio foi arremessado longe, assim como o motor do veículo. Dirceu e o italiano morreram na hora.

O acidente aconteceu a poucos metros do apartamento onde o jogador morava. De madrugada, à espera do marido, Vania conversava como Dona Diva na varanda e notou a movimentação dos bombeiros na Avenida das Américas, sem imaginar que o pai de seus filhos estava envolvido.

Os jovens ocupantes do Monza escaparam com vida do acidente, mas jamais foram responsabilizados judicialmente pelo o que aconteceu.

Escondendo a notícia dos filhos menores

Ninguém está preparado para viver o que Vania e a família viveram. Mas nas horas seguintes à tragédia a esposa de Dirceu contou com ajuda de vizinhos e amigos para não deixar os filhos menores (Ronaldo e Stefano) sentirem o choque.

"A minha mãe uivava pela sala. Ela não deixava a gente sair do quarto. A gente não entendia porque a casa estava cheia, eram 7 horas da manhã, a casa cheia de amigos. Aí a gente chamou a empregada e perguntou o que estava acontecendo. Ela falou: 'eu não posso falar, eu não posso falar'", relatou Stefano.

E de repente... Dirceuzinho vira o homem da casa

Dirceu marcou dois gols contra o Peru na Copa de 1978. No dia seguinte, data de seu aniversário, sua esposa entrou na sala de parto para dar à luz a Dirceuzinho no Brasil. Fotógrafos de imprensa chegaram a subornar uma das enfermeiras para registrar o momento da família do então herói da seleção.

Anos mais tarde, com a morte precoce do pai, Dirceuzinho precisou assumir (também precocemente) uma posição mais madura dentro de casa, para ajudar a mãe com os irmãos menores. Tudo isso com apenas 17 anos de idade.

"Ele teve o peso da responsabilidade. Quando fui ter o Alessandro (o caçula) no hospital, abri a conta conjunta com ele no banco. Falei: 'está o dinheiro, a chave do cofre'. Passei e falei: se eu morrer é você que vai ser responsável", descreveu a mãe.

A chegada do "anjinho" Alessandro

Mesmo em meio à brutalidade da mudança de destino, Vania foi firme nas últimas semanas de gravidez. Ainda em 1995, nasceu Alessandro Dirceu, o quarto filho do casal, que jamais conheceria o pai.

"Não estava preocupada com o meu filho ter uma sequela, porque eu já tinha sofrido demais. Deus não iria deixar que acontecesse nada com a criança. Aí nasceu o anjinho, o Alessandro", disse.

"O Alessandro veio pra amenizar a dor. A gente não teve tempo para ficar em luto porque veio uma criança. Com 10, 9 anos, aprendemos a ser o irmão mais velho", acrescentou o irmão Ronaldo.

"Ginástica para o dinheiro dar"

Mais de 17 anos no futebol do exterior renderam algumas economias a Dirceu. Nenhuma fortuna, mas pelo menos um bom apartamento no Rio. Subitamente, Vania que sempre acompanhou as andanças do marido agora teria que gerir a casa.

"Quando o Dirceu faleceu tive que ver o que havia de dinheiro e fazer ele durar. A gente teve uma vida comum, um carro só, pagando colégios bons para os filhos, fazendo ginástica para o dinheiro dar".

"Muita coisa que a gente tinha na Itália roubaram. O Dirceu deixou uma barca lá, quando eu voltei já tinham levado. Era uma lancha com dois andares. Ele deixou uma limusine, uma BMW, roubaram, apropriação indébita. Ele não sabia que ia morrer, deixou a chave com uma pessoa. Voltei lá seis meses depois e tinha sumido tudo".

Três Copas (e uma Bola de Bronze em 1978)

Defender o Brasil em três edições de Copas é coisa para poucos. Dirceu conseguiu, estreando em 1974 na Alemanha. Como promissor jogador do Botafogo, foi convocado por Zagallo e atuou como titular nos jogos contra Alemanha Oriental, Argentina, Holanda e Polônia.

Porém, o grande momento em Mundiais veio quatro anos depois, na Argentina. Dirceu começou na reserva de Rivellino, mas entrou já durante a estreia, diante da Suécia, para não mais sair do time. O meia anotou três gols (dois contra o Peru e um golaço em cima da Itália). Mesmo sem o título, voltou como destaque da equipe. Foi o único brasileiro na seleção da Copa e ganhou a Bola de Bronze, como terceiro melhor jogador do torneio (atrás do argentino Kempes e do italiano Rossi).

Em 1982, na Espanha, Dirceu começou como titular no primeiro jogo contra a União Soviética, mas depois perdeu a vaga, pois Telê Santana queria naquele momento um perfil mais marcador para esta peça do time.

Ele jamais foi expulso

"Formiguinha" foi o apelido que acompanhou Dirceu em 25 anos de vivência no futebol profissional. Uma alcunha para descrever um jogador de preparo físico invejável, com um senso apurado de jogo coletivo. Mesmo técnico, era um craque que essencialmente servia ao time.

Além de tudo isso, o meia era um exímio cobrador de faltas, sempre com a perna esquerda.

Mas apesar desse perfil e do currículo de ter disputado três Copas, talvez nada melhor defina Dirceu como atleta do que o fato de ele jamais ter recebido um cartão vermelho na carreira.

Chuteira no porta-malas e peladas em qualquer lugar

O futebol era uma espécie de vício para Dirceu. Em qualquer lugar ou circunstância, o melhor brasileiro da Copa de 1978 estava pronto para jogar.

"Meu pai sempre levava as chuteiras no porta-malas. Em qualquer lugar que aparecesse e alguém falasse, em tom de brincadeira: 'pô, quer jogar aqui?' Ele falava: 'lógico'. Abria o porta-malas e tirava as chuteiras. Jogava de verdade", contou o filho Dirceuzinho.

"O cara não tinha vício, não bebia, nem depois que parou de jogar. Jogava as peladas, três ou quatro por semana. Acabava as peladas, ele participava das conversas, mas não bebia uma gota, não tomava um chope (...) o vício dele era jogar futebol", disse o amigo e ex-jogador Pedrinho Vicençote.

Preterido por Telê, jogou em time de garçons na Espanha

O então meia do Como vinha de uma temporada de destaque na Itália, pronto para jogar sua quarta Copa em 1986. Mas, num treino de preparação, Dirceu se chocou com o goleiro Paulo Victor e se lesionou. A comissão técnica decidiu então cortar o experiente jogador, convocando o ponta Edivaldo, do Atlético-MG, como substituto.

Dirceu jamais engoliu ser preterido por Telê Santana. Dizia que o técnico teve boa vontade com outros veteranos também lesionados (que foram para o México).

"Quando ele foi cortado da Copa de 86, falou: 'vou me recuperar'. Ele disse que mandava buscar o fisioterapeuta, que ficaria bom em três, quatro dias, Mas não teve jeito, e aí fomos para a Espanha. No hotel tinha o time dos garçons, o Dirceu estava jogando com eles. As pessoas diziam: 'engraçado, aquele garçom parece aquele jogador que foi do Atlético de Madri'. O Dirceu falou: 'viu, tinha tempo de me recuperar'"

Vania Guardia Guimarães, viúva do ex-jogador Dirceu

Queria jogar pelo Botafogo em 1995... aos 43 anos

Dirceu amava o Botafogo, era o time de seu coração. Depois de muitas andanças pelo mundo, o meia queria defender o time do Rio em 1995. O craque estava já com 43 anos, mas em forma, pois sempre se cuidou. Sentia-se preparado.

Na época, Dirceu chegou a se encontrar com Carlos Augusto Montenegro, então presidente do Botafogo. Após a morte do jogador, o dirigente afirmou em entrevista que o ídolo chegou a se oferecer para jogar de graça no time.

Idolatria na Itália: virou até nome de estádio

Com algumas idas e vindas, foram 12 anos de Itália para Dirceu e sua família. O meia brasileiro defendeu diversas equipes do país, como Napoli, Verona, Avellino e Ascoli. Pelo modesto Como, conseguiu a façanha de ser eleito o melhor jogador da temporada 1985-86, numa época de craques como Platini e Maradona em ação.

A maior demonstração de idolatria dos italianos, no entanto, partiu da pequena Ebolitana, que teve Dirceu como jogador entre 1989 e 1991. Já em final de carreira, o brasileiro brilhou pelo time de divisões menores e acabou sendo homenageado com o nome do estádio local, com capacidade para 15 mil pessoas.

"Você liga para a Itália, parece que você está falando do Maradona. A gente recebeu tanta carta da Itália, mas aqui no Brasil eu não vejo ninguém com isso", contou Ronaldo, sobre a época da morte do pai e a notoriedade de Dirceu no país europeu.

Disputa de casa com Diego Maradona

Em 1984, Dirceu foi negociado pelo Napoli ao Ascoli, para permitir a chegada de Maradona ao time. Em fase final de gravidez do filho Ronaldo, a esposa do brasileiro precisou ficar em Napóles por mais um tempo, longe do marido. Só que o astro encheu a paciência de Vania, em razão do apartamento que servia aos estrangeiros do clube.

"O Maradona toda hora ligando, perguntando quando é que eu ia deixar o apartamento que o clube tinha mobiliado. O Maradona ficou encantado com o apartamento, e eu disse: 'ó, só depois que a criança nascer, três meses depois eu vou sair'. Ele estava com a tribo toda, com a família toda, estava ocupando dois andares de um hotel", relata Vania.

A homenagem do amigo Levir Culpi

Amigos inseparáveis. Não há definição melhor para falar da relação entre Dirceu e Levir Culpi, que começou quando os dois jovens paranaenses jogavam juntos no time infanto juvenil do Coritiba, no começo dos anos 70. O craque canhoto passava todo dia de bicicleta para dar uma carona para o novato zagueiro até o campo onde treinavam.

Anos depois, Dirceu ajudou Levir a jogar no futebol do México. Com todo seu prestígio no país, o meia comprou o passe do amigo junto ao Colorado (Paraná) e depois revendeu ao Atlante (MEX).

Levir não conseguiu se despedir do amigo. Quando Dirceu morreu, Culpi dirigia a Portuguesa em São Paulo. Hoje, o renomado treinador mantém uma homenagem ao antigo parceiro de categorias de base em seu restaurante em Curitiba – um quadro com a foto do craque e a mensagem "O maior jogador paranaense de todos os tempos".

Dirceu vive através das histórias

"Essa coisa do meu pai ainda está viva para a gente. É impressionante, quando a gente vai para algum lugar sempre tem alguém que conheceu o meu pai, que era amigo dele, que o meu pai fez alguma gentileza. Então sempre a gente vai ouvindo novas histórias, vai conhecendo mais o nosso pai, seja pela internet, por matérias novas que vão surgindo. É impressionante como a gente vai conhecendo o nosso pai cada dia mais"

Stefano, filho do ex-jogador Dirceu





Fonte: UOL (texto, vídeo), Reprodução Internet (fotos)