Torcedores dizem que viraram sócios do Vasco de graça para votar em Eurico; veja reportagem do 'RJTV'
RJTV conversou, com exclusividade, com dois torcedores que votaram na eleição para presidente do Vasco, que é investigada com suspeita de fraude. Os dois são vascaínos de coração, mas nunca pagaram uma mensalidade do clube. Dizem que ganharam o direito de votar de presente, com a contrapartida de votarem em Eurico Miranda. Revelam também que um ex-candidato a vereador de Magé, que é flamenguista, captava torcedores do município e, irregularmente, os tornava aptos a participarem do pleito.
Otávio dos Santos Pires foi um dos eleitores designado para votar na urna 7, que teve 90% dos votos para a chapa do atual presidente, Eurico Miranda. A disputa muito acirrada nas outras urnas levantou suspeita sobre a 7. A oposição, então, foi à Justiça para tentar anular a eleição, que terminou com 2.111 votos para Eurico e 1.975 votos para o seu concorrente, Júlio Brant.
Otávio é vascaíno, mas nunca tinha pensado em ser sócio do clube. Conta que, no início deste ano, recebeu uma oferta de um homem para entrar para o quadro de sócios.
Torcedor revela proposta para ser sócio do Vasco, de graça, e votar em Eurico Miranda
"Não precisaria pagar nada, só ser sócio do Vasco, sem precisar pagar. Falou que poderia frequentar tudo, de graça. Aí como eu sou vascaíno, quero pô."
A oferta tentadora só tinha uma condição: "Teria que votar no Eurico", conta.
Cumpriu o combinado e, em 7 de novembro, foi ao clube votar.
"Ele: 'Então, tá, descança aí que a eleição é até 10 da noite. Pode ficar tranquilo que então eu te pego aí'. Falei: 'beleza'. Aí combinei com meu irmão dei uma dormida. Ele chegou lá acho que umas 6h30, me pegou, pegou meu irmão. A gente foi pra São Januário votar. Chegando em São Januário, eu me deparei com uma situação meio constrangedora, que era uma urna separada, e eu teria que votar nessa urna. Falei: 'ô, estranho'. Fiquei meio cabreiro com isso", conta.
Era a urna 7. Antes de votar, um último embaraço: Otávio nunca teve nem a carteirinha do clube.
"Mas eu não tenho carteirinha. Aí falaram: 'Você vai votar com a identidade. Identidade pode. Teu nome já tá na urna lá."
Otávio identificou o autor dessa oferta de trocar do título pelo voto: Claudio Marcelo de Oliveira. Na última eleição, ele foi candidato a vereador em Magé, com o nome de Grilo da Oficina.
A equipe do RJTV foi até a oficina do Grilo. Ele não quis gravar entrevista, mas numa conversa com o repórter Leslie Leitão admitiu ter captado irregulamente sócios para a eleição na família de Otávio.
"Eu peguei na época foi quatro fichas. Foi para ele, a mãe dele e o irmão."
Otávio conta que, só em Magé, o número de sócios irregulares da urna 7 era muito maior.
"A galera toda de Magé daquela urna foi desse jeito. Só que algumas pessoas não vão falar, tem receio de falar. Mais de 60 pessoas."
Quando Otávio viu as notícias de que a urna 7 tinha sido decisiva na vitória de Eurico Miranda, ficou preocupado e entrou em contato com o Grilo da Oficina.
"Grilo, fala comigo. Deixa eu te falar. Cara, minha mãe tá bolada aqui com essa notícia. Negócio de investigação dessa urna, da nossa urna lá. Pô, ela tá bolada que nego possa ir de casa em casa. Pergunta ao Nilson lá se pode dar problema nisso. Tô bolado também", disse Otávio.
Grilo orientou Otávio a dizer que era sócio antigo, porque os eleitores teriam que ser donos do título com dois anos de antecedência pra ter direito a voto.
"Qualquer coisa entrou no mês 10 de 2015. Entendeu? Então, o que acontece: a mensalidade tá toda em dia. Ela vai imprimir lá e vai trazer os comprovantes. Pode ficar tranquilo. Valeu", respondeu Grilo.
"Como é que vai fazer comprovante se eu não paguei nada? Eles pagavam lá então? Então era isso?", questionou Otávio.
Grilo responde: "É isso aí, filhão, desde 2015... Eles têm todos os retroativos pagos, se não vocês não tava (sic) apto a votar. Ela vai imprimir lá e vai trazer os comprovantes. Você que pagava, entendeu? Pagava mensalidade normal, 45 reais".
Com as denúncias, outros eleitores de Magé começaram a contar o que sabem. Um vascaíno das antigas nem se surpreendeu tanto. Ele disse à polícia que não foi a primeira vez que participou de uma fraude na eleição do clube. E trouxe uma novidade que pode mexer ainda mais com o resultado: votos irregulares também teriam sido depositados na urna 3.
Severino Nunes da Silva é vascaíno há 60 anos. Nunca pagou mensalidade no clube. Mas já votou em duas eleições. Ele recebeu a primeira proposta em 2014.
"Um funcionário do Vasco, nós éramos um grupo lá de vascaínos. Queríamos até montar uma torcida, grupo de torcedores. E ele veio me oferecer: 'Tu não quer uma carteirinha para vc ir lá votar? 'Quero, querer eu quero. E os custos?'. 'Não, não, isso aí vai vir na tua mão tranquilo, você vai só votar no dia lá'", contou.
Neste ano, recebeu outra carteirinha, com outra matrícula e uma nova instrução.
"'Depois que entrega, aí vai à tal urna'. Fui à tal urna, urna 3."
Severino também conhece muita gente em Magé com histórias parecidas. "Tem muitas, não sei a contagem não, mas tem muitas. Pra lá uns 50, tem."
Torcedor do Flamengo
O que também não é segredo em Magé é que o Grilo da Oficina nunca foi vascaíno. No estádio, ele exibe orgulhosamente a camisa do flamengo, mas na oficina o mecânico que admitiu ter captado sócios para a eleição do Vasco não revelou de jeito nenhum o time do coração.
"Eu torço pro time que eu quiser."
A assessoria de imprensa do Vasco disse que ele só se pronunciaria depois que assistisse à reportagem.
Entenda o caso
A eleição do Vasco foi realizada no dia 7 de novembro, em São Januário. Nela, 691 nomes da lista de sócios foram indicados para votar numa urna separada - a urna 7. Destes, 475 compareceram à votação.
Estes nomes são os sócios de que se filiaram ao clube em novembro e dezembro de 2015, num fluxo muito maior que o registrado nos meses anteriores. O Vasco alega que houve um represamento anteriormente por causa do fim da categoria de sócio geral - que aconteceu no fim daquele ano.
Ao todo, 90% dos votos da urna 7 foram a favor de Eurico Miranda e determinaram a vitória do atual presidente do Vasco. Por causa da suspeita de irregularidades, a oposição entrou na Justiça para tentar anular os votos - o que foi conseguido numa primeira decisão, agora revogada.
A eleição do Vasco é indireta. A chapa vencedora elege 120 conselheiros, enquanto a segunda colocada escolhe 30. Estes 150 se unem aos 150 conselheiros natos para, juntos, numa reunião do Conselho Deliberativo, decidirem o presidente. Ainda não há data para que este encontro aconteça.
Fonte: G1