A capa de jornal noticiando a contratação pelo Vasco a partir de uma indicação de Romário, em 2005, está bem guardada. Na memória, os dois gols marcados pelo modesto América-RJ no primeiro jogo disputado no Maracanã sempre são revisitados. Na internet estão disponíveis lances e gols com as camisas de clubes do Brasil e do mundo e no currículo ficam registrados alguns dos feitos pelo Botafogo-SP, onde virou ídolo. Aposentado do futebol aos 34 anos, William Xavier tem carinho pelas boas lembranças deixadas pelo futebol. Mas também houve os maus momentos, que motivam o ex-atacante a virar a página.
"O jogador de futebol é uma peça descartável e os bastidores são muito sujos. Cada um pensa em si mesmo e acabou, o atleta que se exploda. Eu decidi parar de mexer com futebol porque tem muito canalha envolvido", desabafa, em entrevista ao UOL Esporte, o ex-jogador.
William Xavier não é nenhum ídolo nacional. Começou na base do Atlético-PR, teve destaque no América-RJ, o que gerou contratos com Vasco e Botafogo. Fora do Brasil defendeu o Lille (FRA), o KV Kortrijk (BEL) e o Vegalta Sendai (JAP). Ainda vestiu as camisas de clubes como Santo André e Portuguesa e chamou atenção no Botafogo-SP. A aposentadoria precoce não foi por falta de perspectivas, e sim por questões de saúde. No último dia 8, o ex-jogador passou por um transplante renal.
Até a realização do procedimento já eram dois anos e seis meses fazendo quatro horas de hemodiálise três vezes por semana. Os rins funcionavam entre 2 e 5%, e a falência dos órgãos era iminente. Até que o telefone de casa tocou, a hora na fila dos transplantes havia chegado e ele recebeu a doação do órgão com a promessa de, enfim, voltar a viver normalmente.
"O cara é atleta, fica sem beber, sem fumar, sem usar nada ilegal. E de repente se vê preso a uma máquina para sobreviver. Perdi minha liberdade. Isso começou em julho de 2015 e a última sessão foi há duas semanas. Graças a Deus não preciso mais fazer hemodiálise, não houve nenhuma rejeição. Agora é descansar neste mês, que a imunidade ainda está baixa, e depois levar a vida, porque estou liberto. É continuar o projeto de crescimento profissional e cuidar da minha mulher e filhas. A mais nova, Maria Clara, está terminando o terceiro ano e quer fazer Medicina. Por que será? (risos)", diverte-se, aliviado, o jogador (não à toa) apelidado de "Guerreiro" em Ribeirão Preto.
Dramas de William Xavier: parte 1
Depois de marcar sete gols no Campeonato Paulista de 2010 pelo Botafogo, William Xavier foi contratado pelo Santo André para jogar a Série B do Brasileirão. Ele era um dos principais reforços do time vice-campeão estadual daquele ano para a sequência da temporada. Durante a campanha, o atacante recebeu um contato do Fluminense, que havia acabado de contratar Muricy Ramalho como técnico e indicou sua contratação. Havia uma reunião marcada entre clubes e empresário para definir a negociação, mas uma fatalidade atrapalhou não só a ida para o Flu, como a sequência da própria carreira.
Em partida contra o Guaratinguetá da qual o Santo André saiu derrotado por 3 a 1, William sofreu um carrinho que fraturou tíbia e fíbula de sua perna direita. A lesão era obviamente grave, mas o tempo de recuperação superou qualquer expectativa. O atacante só voltaria a jogar depois de mais de dois anos.
"Fiz a operação e todo o tratamento no Santo André e os caras decidiram me colocar para jogar. Eu falei que minha perna estava doendo, mas disseram que eu devia acostumar com a dor. Beleza. Acostumei. Aí meu primeiro treino com bola fui chutar para o gol e o Vitor Hugo, zagueiro ex-Palmeiras, hoje na Itália, deu um carrinho na frente fechando o chute. Eu ouvi um estalo. Saí do treino na hora e entrei em contato com o presidente do clube para pedir autorização de fazer exame com outro médico. Fui tratar com o doutor Marco Aurélio Cunha, ele abriu minha ressonância e disse: sua perna ainda está quebrada. Ele disse que faria a cirurgia se eu fizesse a recuperação com ele, então fiz", conta William, antes de desabafar sobre a situação.
"Você acha que eu fui indenizado por essa situação? Que o clube se responsabilizou? Que nada! São coisas assim que eu não podia falar estando no futebol, mas agora posso. Foi uma negligência que me levou a dois anos parado e levou minha carreira embora. Mas nunca ninguém tem culpa."
Dramas de William Xavier: parte 2
William Xavier voltou a jogar pelo Santo André em 2012, mas o nível técnico já não era o mesmo de outros tempos. Ele ainda defendeu Portuguesa, novamente o Botafogo-SP e o Juventus, que largou por uma promessa de contrato jamais cumprida pelo Bragantino. No fim de 2014, ele recebeu um convite do Rio Branco para jogar a Série A2 do Campeonato Paulista e topou. Na cidade de Americana, precisou tomar a decisão que mudaria sua vida.
"Fazia exame para assinar contrato nos clubes e nunca deu nada alterado. Aí cheguei no Rio Branco para fazer o procedimento: tirei a camisa, subi na esteira, coloquei o medidor de pressão e comecei a correr no teste de esforço. Na primeira medição de pressão deu 19x15 e o médico me mandou descer da esteira na hora. Achei que pudesse ser algo da viagem e pedi outro exame, mas me disseram que as paredes do meu coração estavam largas. Era um tipo de hipertensão que ia aumentando, muito perigoso. Podia descobrir esse problema quando desmaiasse no campo, ainda bem que descobri na esteira", relembra o ex-jogador, naquele momento aos 31 anos.
Enquanto tomava remédio para hipertensão, William se recusou a fazer um tratamento alternativo e decidiu pendurar as chuteiras. De imediato, foi trabalhar com a esposa Desirée em um escritório de arquitetura no ABC Paulista. Depois de algum tempo o casal decidiu voltar para a cidade natal do jogador, que é Campo Grande-MS, onde assumiram a representação de uma multinacional de cosméticos que é até hoje o negócio da família. Os 15 anos no futebol haviam acabado. Mas o sofrimento real ainda estava por vir.
Dramas de William Xavier: parte 3
Mesmo com remédios, a hipertensão não dava trégua. O agora ex-jogador começou a realizar exames dos mais variados para saber as causas do problema. Depois de seis meses, William descobriu que seus rins estavam quase parando de funcionar, e isso sobrecarregava os outros órgãos. Os médicos tentaram encontrar a razão da iminente falência renal e foram descartando alternativas, como diabetes, uso de substâncias proibidas, herança genética...
"Por eliminação, meus médicos concluíram que durante o tratamento da lesão na perna e as cirurgias, acabei tomando muito remédio nefrotóxico, que é prejudicial ao rim, interfere na atividade do rim. Então por causa da lesão na perna eu tive a hipertensão que era causada pela falência renal", resume.
A descoberta ocorreu quando William Xavier já estava em Campo Grande em preparação para ser técnico do União ABC, time presidido por Fábio Manso, seu sócio e amigo, no Estadual sub-20. Precisou abandonar tudo. Em julho de 2015, o ex-jogador começou as sessões de hemodiálise que ocuparam 12 horas de sua semana durante dois anos e meio. O transplante renal era a solução mais óbvia, mas ele não queria aceitar a condição.
"Meu rim parou de repente, então podia voltar de repente também", diverte-se falando, antes de completar:
"Não era medo que eu tinha. Era um certo receio da origem do rim. Minha primeira opção de transplante eram meus irmãos e esposa, mas nem chegaram a sair os resultados de compatibilidade. Alguns amigos se ofereceram para fazer o teste, mas a burocracia quando o doador não é da família é muito grande, é um processo. Eu não queria aceitar o rim de outros familiares porque se aquilo havia acontecido comigo, sem ter problema de saúde nenhum antes, também poderia acontecer com eles. Você fica com medo pelas pessoas."
William foi tocando a vida com a hemodiálise. O problema é que sua vida ficou limitada. Qualquer esforço físico era árduo. Qualquer alimentação elevava as taxas negativas de seu corpo. Por tudo isso, o ex-jogador entrou na fila de transplantes e foi agraciado no último dia 6, quando recebeu uma ligação de uma médica da Santa Casa de Campo Grande oferecendo um rim de doador morto.
Vitória de William Xavier: a parte mais importante
O rim transplantado não deu rejeição. No segundo dia, William Xavier já tinha atividades fisiológicas normais e só precisou de mais uma sessão de hemodiálise para estabilizar. A máquina não reduzirá mais sua liberdade. Ele precisa ficar pelo menos mais duas semanas resguardado em casa por conta da baixa imunidade, então só recebe esposa, filhas e familiares próximos em casa. Passado este período, o ex-jogador poderá voltar a viver normalmente. Ele pensa em dar palestras para inspirar pessoas que tiveram o mesmo problema que ele, curtir a família e traçar até projetos internacionais com a empresa de cosméticos. Futebol? Esquece...
"A primeira ligação que recebi depois do transplante foi daquele meu amigo que é presidente de um clube aqui no Mato Grosso do Sul. Ele só perguntou se o camisa 9 dele no ano que vem já estava pronto para jogar", gargalha William Xavier.
Agora há motivos de sobra para isso.
Fonte: UOL