Ex-integrantes contam rotina de violência das torcidas organizadas cariocas
Quinta-feira, 21/09/2017 - 12:27
O ano de 2017 no Rio de Janeiro ficou marcado por episódios de violência. Em fevereiro, um torcedor do Botafogo foi morto, em confronto com a torcida do Flamengo, nos arredores do stádio Nilton Santos. Em julho, o São Januário, após clássico entre Vasco e Flamengo, um cruz-maltino também foi vítima do confronto entre facções. O "Troca de Passes" ouviu quatro ex-integrantes de organizadas dos quatro grandes clubes do estado, e eles relatam a violência dentro das torcidas. Confira os depoimentos:

"Eu sou flamenguista, fui de organizada uns 10 anos. Eu já tinha alguns amigos na torcida, que me convidaram para ir. E, na época, não era tanta violência que nem hoje. Você vai ser atacado e você tem que se defender, você não vai correr. A lei da sobrevivência é porque... hoje morre, e as pessoas matam. Antigamente, também matavam, mas não era com tiro. Cento e cinquenta para bater em 20 se torna uma coisa... uma presa fácil, né? Arma sempre tem, para defesa de alguém. Sempre tem arma, alguma arma tem que ter. Você não vai ficar na mão. Só que hoje em dia... as pessoas não pensam mais no outro. Agora as pessoas só pensam em matar. Só pensam: 'Ah, vamos matar, não sei o quê'. Agora matar é vírgula.

O troféu tinha nome. Conforme o dia. Séries de amigos que eram da minha época que faleceram. Você tinha até polícia no meio, como tem nas organizadas. Às vezes, a pessoa é de organizada, mas o cara é policial e faz parte da organizada. Então, quando ele faz parte da organizada, ele vai tipo como se fosse uma escolta. Isso tem toda a torcida. Isso é uma segurança. Pelo menos, você vai se defender, né? Hoje realmente, se eu tivesse que entrar, eu não entraria. Nem aconselharia ninguém a entrar"

"Eu sou torcedor do Fluminense e participei de torcida organizada durante quatro anos. Eu vivi coisas que eu nunca pensei que viveria. Eu participei de festas, participei de eventos, conheci muita gente, conheci o perigo de perto. Mas era uma sensação muito boa. A rivalidade né? Bate de frente e acaba tendo brigas. Se você der mole, se você estiver com camisa de torcida organizada em um clássico... É certo de você ter algum susto"

"Sou torcedor do Botafogo e participei de uma torcida organizada por um ano e meio. Todo mundo era apaixonado pelo Botafogo. Então, quando toda aquela paixão se unia em gente, ficava mais emocionante, né? Com a organizada, a gente se unia a outros torcedores pela paixão do futebol. A primeira vez acompanhando uma torcida organizada foi em 2009, 2010, se não me engano. No fim do jogo, estava vestido com a camisa do time normal, e senti uma pancada pelas costas. Quando eu vi era a torcida do Flamengo, que chegou já chutando, socando quem estivesse pela frente. Eu não sei o que pode passar na cabeça de uma pessoa como essa, que tem a intenção de sair de casa naquele dia para causar mal a outro por uma coisa tão... tão imbecil. Nenhum arrependimento, foi uma boa experiência. Para saber como torcer e como não torcer também"

"Sou torcedor do Vasco e fiz parte da organizada durante três anos. Eu não tinha noção de como era torcida organizada. Pensei que era só entrar e apoiar. Mas eu não sabia que era como se fosse uma guerra de facção. Eu já entrei em um jogo que era complicado, Vasco x Flamengo, entendeu? Teve muita briga. Aí eu até fiquei um pouco assustado e falei: 'Não era isso que eu queria, né?' Eu falei: 'Pô, não sei se é isso que eu quero'. O cara falou: 'Quer ficar? Lá é assim, o ritmo é esse. Infelizmente não tem como poupar ninguém. Até porque alguém vai precisar de você depois, ou você de alguém'.

Jogo clássico assim, jogo perigoso que é praticamente uma guerra. Você sabe que está ali e pode morrer. Qualquer torcedor que morrer em confronto, ele sabe que está ali e que isso pode acontecer. Não tem o que falar, de ficar surpreso, né? Isso aí ele sabe que pode acontecer a qualquer momento. É guerra! É como se o policial encontrasse um traficante, e você: 'Pô, vai matar ele, entendeu? Você é da torcida do Vasco, você tem a torcida do Flamengo, mas tem um cara na tua rua que é da torcida do Flamengo. Dia de jogo Vasco x Flamengo, se ele topar na tua frente, você vai meter a porrada nele. Mas, se você estiver na rua e passar por ele outro dia, é 'bom dia, tudo bem? Como vai?' É como eu falei, botou a camisa é outra coisa.

As diretorias das torcidas, todas elas são alvos. São cartas marcadas. Porque sabem que vale um troféu, entendeu? Quando o torcedor da diretoria da torcida do Flamengo foi morto, quem matou o cara foi ovacionado, entendeu? Por quê? Porque sabe que aquele cara era ruim, mandava fazer isso, fazer aquilo com torcedor. Não tinha pena

Eu não cheguei a matar ninguém não, entendeu? Mas eu fico às vezes pensando: 'Pô, aquilo ali será que vale a pena me arriscar, fazer isso tudo?"



Fonte: Sportv.com