Ramon deixa de lado o 'Crazy Motta' e assume a lateral do Vasco
Sábado, 29/07/2017 - 09:29
O Ramon que chegou ao Vasco em 2017 é bem diferente daquele que esteve na primeira passagem em São Januário, entre 2009 e 2011. Saiu um jogador que vibrava até exageradamente, reclamava da arbitragem e era super ofensivo, entrou alguém mais experiente, contido e preocupado com a defesa. Do "Crazy Motta" que virou personagem na Turquia, sobrou o Ramon, pai de Antônia, de quatro anos, e namorado de Marina.

A nova postura de Ramon é fruto de experiências anteriores do lateral. Suas declarações criticando o Vasco quando chegou ao Flamengo pegaram mal, tanto que seu primeiro ato ao retornar ao Cruz-Maltino foi pedir desculpas. Pela primeira vez, o jogador decidiu explicar por que falou mal do antigo clube: uma mistura de imaturidade com mágoa da diretoria da época.

- Eu era campeão da Copa do Brasil, titular. Como que eu saio e o clube não ganha nada (as partes rescindiram o contrato antes de Ramon ir para o Corinthians)? Como você vai explicar isso? Vai jogar para quem está fora, que é o Ramon. Falaram que eu pedi para sair, que eu não queria mais jogar no Vasco, que iria abandonar o Vasco. Não teve nada disso. Foi uma proposta, que na época o Vasco nem fez contraproposta. Financeiramente era bem melhor. Quando eu voltei para o Rio, fui para o Flamengo, e pela maturidade e impulsividade, eu falei o que falei. Mas me arrependo amargamente. A história é essa – contou.

Aos 29 anos, Ramon voltou ao Vasco e assumiu a titularidade da lateral esquerda nas últimas quatro partidas. Em campo, mostrou um estilo diferente, mais cadenciado. Já deu uma assistência – para o gol de Paulo Vitor contra o Vitória – e aguarda a chance de jogar pela primeira vez com a torcida, na segunda-feira, contra o Atlético-PR.

Nesta entrevista, o lateral conta sobre sua transformação e a expectativa de rever os torcedores vascaínos.

GloboEsporte.com: Você esperava chegar e virar titular assim tão rápido?

Eu me preparei para isso. Mas tinha que jogar para saber. Estava há quatro anos fora do Brasil. Estava de férias. Não parei de treinar, mas não é a mesma coisa treinar com meu personal e treinar com a equipe. Estava com muito receio disso. O ritmo do Brasil é totalmente diferente. Eu me preparei muito para isso, tanto fisicamente, só que mais psicologicamente. Consegui obter o êxito, entrar, teoricamente dar conta do recado. O Henrique é um excelente jogador, jovem de muito talento, mas tive minha oportunidade e agarrei. Estou muito feliz por essa sequência.

Essa preparação psicológica tem a ver com seu pedido de desculpas e toda a situação que houve com a torcida do Vasco?

Com certeza. Eu errei. Quem nunca errou? Assumi isso. Mas nada do que eu falar vai ser... Falar é fácil. Todo mundo fala. Eu tinha que provar que respeito muito a instituição, sei o peso da camisa, respeito muito a torcida. Essa era a minha preocupação. Era o fato de estar muito forte psicologicamente. E consegui. É pouco o que fiz até agora. Eu me cobro muito, quero ajudar o Vasco a chegar na Libertadores. Dentro de campo era a minha resposta. Estou conseguindo, jogo a jogo, retomar aquele carinho que a torcida tem por mim e eu tenho por ela. Se eu joguei fora, consegui amadurecer, foi porque o Vasco me deu essa base.

Me sinto na obrigação de ter um rendimento muito bom para aqueles que me criticaram na minha volta verem que eu mudei, que estou diferente. Passou. Ponto final.

Você ainda não jogou com a torcida a favor. Como está a expectativa?

É o que eu mais quero. Queria jogar em São Januário. Contra o Flamengo estava no banco e bateu aquela nostalgia muito boa de estar aqui de novo. Mas ainda não joguei com a torcida a favor. Sinto falta da torcida apoiando, empurrando. Estou imaginando um contato muito bom, porque eles já viram que voltei diferente, mais maduro, mais tranquilo. Eu era um pouco afobado, queria fazer duas, três coisas ao mesmo tempo. A gente só aprende depois de velho. Aprendi que vou errar, vou jogar mal, acontece, mas procuro fazer as coisas com calma, mais correto, passo a passo. Não querer ser nota 10 no primeiro jogo. Acho que tenho que ir passo a passo e chegar num nível que eu veja que eu possa manter. Esse é meu objetivo.

Na Turquia você chegou a ser apelidado de Crazy Motta.

Fui um maluco do bem. Cheguei, não falava inglês, não tinha comunicação muito boa. Me disseram que Turquia era um futebol de muito contato, do jeito que eu gostava de jogar. Pensei: "Bom, já não falo nada, não sou alto, que isso impõe respeito. Vou ter que criar um personagem aqui. Me fazer de maluco". Meu primeiro jogo foi contra um time que tinha um zagueiro argentino, de mais de 1.90m, trombei uma bola com ele e derrubei ele. Ele levantou e comecei a xingar ele, olhando para o alto. Já cheguei maluco, correndo para caramba, tomei amarelo com 20 minutos. Aí começou o Ramon maluco, Crazy Motta, e adotei essa coisa para mim. Me marcou até hoje e até tatuei.

Agora você não é mais assim.

Agora não. Antes, eu tirava a bola e vibrava. Essa emoção ainda sinto e muito. Mas só que é mais contida. Não precisa disso.

Por que mudou?

Maturidade. Saber que a intensidade de jogo tem que ser sempre. Sou muito intenso jogando. Mas até para guardar energia, chegar aos 42 do segundo tempo e ter a mesma força. Vibrar, fazer força... Isso você vai aprendendo que faz diferença no fim. Vai ficando mais calmo, mais tranquilo, aprendendo que não precisa disso para jogar bem, aparecer ou se impor. Nada contra quem faça. Eu fazia. Só que você vai aprendendo certas coisas, pegando um atalho.

Esse seu amadurecimento também aconteceu fora de campo?

Fui pai. Minha filha tem quatro anos e meio. É a coisa mais importante que eu tenho na minha vida. Isso me fez mudar um pouco, apesar de não morar com ela. Na Turquia não tinha tanto contato. Ela me fez mudar muito. Minha família e minha namorada me fizeram crescer. Apesar de mais nova, é outra cabeça. A família dela me fez crescer muito. Isso me fez mais calmo. Eu amadureci não faz muito tempo, não. Eu era muito ansioso, já diminuí muito. Quando diminuí minha ansiedade, me fez crescer muito dentro de campo. A controlar minhas ações, meus impulsos com a arbitragem. Antes reclamava demais, falava demais, e isso tirava um pouco o meu foco. De um ano para cá que deu um start.

O que provocou essa mudança?

Eu sempre tive vontade de voltar para o Brasil. Sempre acompanhei os jogos do Brasileiro e vi que para jogar aqui de novo tinha que voltar com uma coisa diferente. Todo mundo espera que você volte diferente. Tenho que mudar o quê? Sou muito ansioso, não posso ser assim. Às vezes me perco por um lance ou por uma arbitragem. Não posso perder minha cabeça. Fui começando a pensar. O Eto'o era muito tranquilo e consciente, me ajudava, conversava muito comigo. Me fez pensar e ver o futebol de outra maneira. Na Turquia comecei a jogar muito bem, fiz cinco gols na temporada passada. Nunca fiz mais de três. Joguei mais de ponta do que de lateral. Tive mais assistências também. Por que não fazia isso antes? Comecei a ser mais calmo, respirar, conversar com quem era mais velho. Ouvi mais os meus pais, e isso me ajudou muito também.

E dentro de campo, o que teve de mudança?

Cheguei na Turquia e meu treinador era o Slaven Bilic (atualmente no West Ham). E ele me fez mudar muito. Ele falava: "Você é muito rápido, muito ofensivo, mas controla. Não precisa ir 10, 12 vezes por jogo. Vai três, quatro, dá um passe, faz gol, já está perfeito para mim". Começou a me ensinar mais. Eu errava muito passe bobo por querer acelerar a jogada demais. Eu comecei a aprender taticamente. Ele me ensinou como um pai mesmo. É um cara que me levou para lá, confiou no meu trabalho. Isso fez com que eu mudasse bastante meu estilo de jogo. Antes subia que nem um maluco, deixava espaço nas costas, voltava, me desgastava muito mais. Jogar com ponta facilita, não preciso atacar toda hora. Procuro mais auxiliar o ponta a atacar. Gosto de fazer gol, mas sou mais contido. Ajudar a não tomar gol é o que penso de futebol.

Em que momento apareceu a possibilidade de voltar ao Vasco?

Sempre senti, no fundo do meu coração, que eu iria voltar. Sabia que ia ser difícil pelos meus erros e pelas besteiras que falei. Sou conhecido no Brasil como o Ramon do Vasco. Quando soube do interesse, não pensei duas vezes. Larguei um ano de contrato lá, mais do que o dobro que eu ganho aqui. Queria voltar para o Brasil, ficar mais perto da minha filha. Quando soube que era o Vasco, consegui rescindir.

Você disse que, no Corinthians, não respondeu às críticas do Vasco. Apenas no Flamengo. Por quê?

Clássico, aí vem aquela coisa. Caí na malícia de algumas perguntas. Não pensei na hora de falar. Falei por falar. Por estar chateado. Foi por isso. Por ser o rival. Lembro que saí dessa coletiva, aí falaram: "Ramon, botou fogo no clássico". Falei: "Tem que botar um pouco de fogo". Para você ver a imaturidade. Respeito todos os clubes que joguei, mas o clube que tenho carinho e respeito muito grande é o Vasco, porque me fez ser quem eu sou. Não tem essa coisa porque na infância torcia para tal time. Eu tive a personalidade de falar e a imaturidade de falar na hora errada. Ponto. Esse foi meu erro.



Fonte: GloboEsporte.com