O Ministério Público entrará, nesta segunda-feira, com ação pedindo a interdição do estádio de São Januário após a série de incidentes ocorridos entre torcedores e a Polícia Militar após a partida do Vasco contra o Flamengo em que um torcedor morreu e três ficaram feridos. Pelo menos foi o que assegurou neste domingo o promotor Rodrigo Terra, em entrevista ao programa "Tá na Área", do SporTV.
Na entrevista ao repórter Eudes Júnior, Terra espera que os clubes adotem planos de ação para a realização das partidas. Considera que eles, os clubes, atribuem a responsabilidade por qualquer tipo de problema à Polícia Militar, "quando são remunerados para prestar um serviço que impacta a rotina da cidade e acabam rejeitando o ônus do negócio, ficando só com o bônus". E volta a falar sobre a necessidade de utilização da biometria nos estádios para impedir que torcedores condenados pela Justiça voltem a frequentá-los.
- Entre esses envolvidos na tragédia de ontem, deve ter vários que já estão impedidos de comparecer ao estádio mas mesmo assim comparecem porque não há um sistema de verificação do cumprimento da lei. Em outros estádios já foi implantado esse sistema de biometria. Ele é relativamente barato, simples, e tem um benefício muito grande porque não só impede que esses, que já estão proibidos, descumpram a decisão e entrem no estádio, mas dão a sensação de que a lei está sendo cumprida.
Rodrigo Terra contestou também o presidente do Vasco, Eurico Miranda, para quem a Polícia Militar teria falhado na vistoria do estádio ao permitir que torcedores entrassem com bombas que, segundo ele, não estavam no estádio antes da partida.
- Acho que primeiro ele tem que se preocupar em cumprir o seu dever. A partir do momento em que ele cumpre o seu dever, ele pode alegar que alguém não cumpriu o dele. Ele diz que pede desculpas, mas ao mesmo tempo ele não tem culpa. É difícil, é complexo. Realmente eu não consigo captar então a mensagem (...) Não comunica quando vai ser o sorteio da tabela para que ela (PM) possa participar. Foi inclusive feita uma semifinal de campeonato estadual num sábado de carnaval. Quer dizer, disputando a Polícia Militar com blocos de carnaval pela cidade toda. Uma falha estratégica evidente. E a Polícia Militar não tem a obrigação de prestar serviço privado para quem quer que seja. Nós estamos falando de eventos privados.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Qual será a ação, a primeira ação, do Ministério Público, amanhã, segunda-feira?
- O Ministério Público já tem uma ação, em face de todos os clubes e da Federação, para que eles adotem os planos de ação para o jogo e o plano de ação do campeonato, que é uma preparação estratégica para lidar com esse grande evento, que eles são remunerados para organizar. Então, a princípio fizemos um requerimento para que fosse feita a torcida única, até que eles apresentassem esses planos de ação com todas as variantes que se podem apresentar. Inversão de mão, lugar para estacionamento, estratégias de recepção e de dispersão do público, e nós sabemos que nada disso é feito. E eles atribuem a responsabilidade por qualquer tipo de problema à Polícia Militar, quando eles são remunerados para prestar um serviço que impacta a rotina da cidade e acabam rejeitando o ônus do negócio, ficando só com o bônus. Então o que faremos a partir de agora é a interdição do estádio de São Januário para que apenas a partir do momento em que seja apresentada a estratégia de realização desses grandes eventos com os planos para os jogos e os campeonatos é que a Justiça examine se eles estão de acordo e liberem a utilização de São Januário.
Mas já está expressamente nesta ação existente colocado o pedido de interdição de São Januário ou não? Se não, isso vai ser feito amanhã?
- Não está. O que foi feito foi um pedido de torcida única, até que apresentassem os planos de ação para o jogo. Não apresentaram os planos de ação para o jogo, a Justiça cassou a medida da torcida única, e agora faremos um novo pedido, dentro dessa mesma ação, para que os planos de ação sejam apresentados, e, até que isso aconteça, o estádio fique interditado.
Ainda que, por exemplo, o Vasco apresente este plano, e o estádio fique interditado até a apresentação desse plano, para colocar ali, em prática, digamos, o que seria o protocolo da Fifa nos jogos e o que está colocado também no Estatuto do Torcedor. Mas até que isso aconteça... Se o Vasco apresentar este plano antes de uma punição imposta pelo STJD, para o Ministério Público, vale a punição imposta? Não adianta semana que vem apresentar o plano... Se houver uma punição, ela terá que ser cumprida?
- São esferas de responsabilidade distintas. Uma coisa não interfere na outra. .
Diante do quadro ontem (sábado), o que aconteceu não foi uma briga entre torcidas. A torcida do Flamengo ficou ali em São Januário duas horas após o fim do jogo, escoltada também, para poder se retirar do estádio... O que houve não foi uma briga de torcidas, e sim uma ação da torcida do Vasco depois de um confronto com a Polícia Militar dentro e fora do estádio. Ou seja, não teria uma ação direta com a questão de torcida única. Isso agrava ainda mais a situação de uma disputa de jogo de futebol num estádio como aquele?
- Sim, claro, porque há toda a desvirtuação do espetáculo, o que é, para que as pessoas estejam alegres e felizes e gozando de momentos de lazer, se transforma num momento de profundo pesar. O que é importante também é investigar a relação dessas torcidas organizadas com os seus próprios clubes. Porque nós sabemos que há distribuição de ingressos, o próprio ingresso de armamentos e bombas no estádio. É preciso investigar como é feito. Agora, o fato de o confronto ser uma causa de insegurança é apenas uma das causas. Porque, como vimos ontem, a própria torcida do próprio clube é capaz também de investir contra o seu clube. De qualquer maneira, em qualquer caso que a gente vê, é uma falha no cumprimento do dever de segurança ao torcedor por parte dos organizadores do evento.
Mostramos há pouco na reportagem o presidente do Vasco, Eurico Miranda, pedindo desculpas a todos, em nome do Vasco. Mas ele disse também na entrevista coletiva que todas as medidas pelo clube foram tomadas. Segundo ele, não havia possibilidade de se ter aquelas bombas ali no estádio. Elas entraram com torcedores, e teria acontecido uma falha na vistoria por parte da Polícia Militar. Qual a posição do Ministério Público em relação a isso?
- Acho que primeiro ele tem que se preocupar em cumprir o seu dever. A partir do momento em que ele cumpre o seu dever, ele pode alegar que alguém não cumpriu o dele. Ele diz que pede desculpas, mas ao mesmo tempo ele não tem culpa. É difícil, é complexo. Realmente eu não consigo captar então a mensagem.
O que pode efetivamente ser feito? Há muito se fala nessa investigação da relação de torcidas organizadas com os clubes, o cadastro de torcedores que integram as uniformizadas. Essa é uma discussão que vem desde a década de 90 no Brasil, não apenas no Rio de Janeiro. E mais uma vez uma morte acontece, nada é feito. Por que essa situação não anda?
- Nada é feito é por sua conta... (rsrs). Eu só quero aqui defender o lado do Ministério Público. A gente entrou com uma ação para que fosse elaborado o plano de ação para o jogo, o campeonato. Pedimos que fosse decretada a torcida única até que viesse a apresentação desses planos. Depois nós entramos com outra ação, que era da biometria, para impedir os condenados pela Justiça que estão proibidos de ir ao estádio de ingressarem no estádio. Porque se você ver entre esses envolvidos na tragédia de ontem, deve ter vários que já estão impedidos de comparecer ao estádio mas mesmo assim comparecem porque não há um sistema de verificação do cumprimento da lei. Em outros estádios já foi implantado esse sistema de biometria. Ele é relativamente barato, simples, e tem um benefício muito grande porque não só impede que esses, que já estão proibidos, descumpram a decisão e entrem no estádio, mas dão a sensação de que a lei está sendo cumprida. Isso é muito importante. Muito importante mesmo, A gente está passando inclusive neste pais por um momento em que a sensação de impunidade tem sido claramente constatada. É isso que a gente precisa combater.
O que pode ser feito pelo Ministério Público, sem querer extrapolar as competências do Ministério Público... De que maneira o Ministério Público pode agir para, por exemplo, investigar de que forma aquelas bombas foram parar dentro do estádio?
- Temos um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) das torcidas organizadas que deveria ter o cadastramento de todos os seus integrantes para a gente poder saber quem são eles, já que o anonimato é que permite que eles se sintam muito à vontade para cometer esse tipo de atrocidade. E, infelizmente, nós verificamos que a maioria delas não está cumprindo os termos de ajuste. Então vamos ter que rever como ele exatamente foi feito para que encontremos uma maneira de fazer valer esses compromissos que as torcidas organizadas assinaram no TAC.
Qual deve ser, na avaliação do Ministério Público, a competência da Polícia Militar, já que foi atribuída a ela, por parte do presidente do Vasco, por exemplo, uma falha na vistoria na entrada dos torcedores no estádio?
- Pois é. Ele atribui, mas ao mesmo tempo ele não comunica quando vai ser o sorteio da tabela para que ela possa participar. Foi inclusive feita uma semifinal de campeonato estadual num sábado de carnaval. Quer dizer, disputando a Polícia Militar com blocos de carnaval pela cidade toda. Uma falha estratégica evidente. E a Polícia Militar não tem a obrigação de prestar serviço privado para quem quer que seja. Nós estamos falando de eventos privados. A Polícia Militar tem uma obrigação para todos, em geral. E ela tem sim que participar da forma de prestação do evento para que ela possa contribuir de uma forma que só some. Agora, não é só a Policia Militar. É a CET-Rio, a Guarda Municipal. Todos os atores envolvidos na rotina da cidade têm que ser convocados para que o evento se dê na maneira menos perigosa possível.
Fonte: Sportv.com