Ex-camisa 10 do Vasco, Vítor relembra convivência com Denner e Edmundo e fala da aposentaria aos 25 anos
Os olhos marejados e a voz embargada não escondem a dor de Vitor ao recordar a forma como teve o sonho de defender o time do coração interrompido, aos 25 anos. A vida é feita de ciclos. E tende a seguir algumas máximas. Uma bola foi feita para ser chutada. Uma rede para ser estufada nos gols. Vitor nasceu para jogar futebol. Mas teve o projeto iniciado ainda menino alterado após uma torção no joelho direito, que deu início a um verdadeiro drama.
Camisa 10 da geração mais vitoriosa do Vasco, a única que conquistou a Copinha, em 1992, o cabofriense chegou ao clube ainda jovem e cresceu em São Januário cercado de expectativas em uma safra que revelou grandes nomes, como Edmundo e Valdir Bigode, por exemplo. Só que foi obrigado a tomar uma decisão que mudaria toda a sua vida enquanto vivia o auge. Quando finalmente conseguiu se firmar entre os profissionais, após operar o joelho lesionado e sofrer com uma infecção hospitalar.
- Foi um negócio muito sério. Os antibióticos não faziam efeito. Eu já tinha tido alta para ir para casa quando infeccionou, e eu voltei para o hospital. Tive que abrir de novo o joelho, botar um dreno. Só que isso me deixou com sequelas. Isso me deixou com uma folga no joelho. Vivia com o joelho inchado. Tomava uma pancada e inchava. Fazia um movimento e inchava. E cada vez que inchava, eu ficava 15 dias parado, com fisioterapia. Aí voltava novamente. Tomei várias infiltrações. Até que o doutor chegou para mim e falou: "você tem duas opções. Ou vai conviver com isso aí pelo resto da sua vida ou vai ter que abreviar sua carreira" - relembra.
E foi o que aconteceu. A mesma perna que encantou os vascaínos e ajudou Vitor a orgulhar a família, torcedora do clube, lhe tirou de vez dos gramados. Hoje, aos 45 anos e trabalhando como corretor de imóveis em Cabo Frio, Região dos Lagos do Rio, o ex-meia recebeu o GloboEsporte.com para espantar os próprios fantasmas ao ficar novamente frente a frente com o passado e relembrar, também, histórias como a da última concentração de Denner antes da morte e um "Carnaval" de Edmundo. A entrevista você confere na íntegra em texto abaixo e alguns trechos nos vídeos ao longo da reportagem.
O começo
- Sou nascido e criado em Cabo Frio. Comecei a jogar no futsal do Tamoio. Dos 7 aos 14 anos. Com 14 anos eu joguei em alguns times adultos. E paralelo comecei a jogar no campo em um time amador da cidade. E disputando um campeonato em Cabo Frio, participei de um torneio que tinha o Fluminense, o Flamengo, o Vasco, o Tamoio e o Canto do Rio. E nós vencemos os três jogos. E contra o Fluminense e o Flamengo, eu acabei com os jogos. Aí o técnico do Fluminense, que era técnico do futsal e do campo, me chamou para jogar no Fluminense. Aí eu aceitei na hora, apesar de ser vascaíno. Aí a notícia correu na cidade. Até saiu em um jornal da cidade na época. Aí tinha um diretor do Vasco na cidade, que era conhecido de uma pessoa ligada à minha prima. Aí falaram: "o Vitor é vascaíno, mas está indo para o Fluminense". Mas aí conversaram e viram se eu não queria fazer um treino no Vasco. Aí eu falei que estava acertado com o Fluminense, mas não tinha nada assinado. Posso ir lá treinar. Aí ele marcou um treino. Eu fiz um treino só e fui aprovado. E fiquei no Vasco.
Quase ida para o Fluminense
- Tem até um fato curioso. Aí eu não fui mais para o Fluminense. O cara ficou me ligando, ligando para minha casa. E eu não aparecia. Até que teve um jogo, o primeiro jogo da categoria infantil. Quando eu entrei no campo das Laranjeiras, o cara me viu, o técnico me viu, parecia que ele estava vendo um E.T. Eu com a 10 do Vasco. E ele perguntou o que eu estava fazendo ali. Aí eu disse que, infelizmente, pesou o coração. Eu sou vascaíno. Isso foi em 87 se eu não me engano.
A chegada ao Vasco
- Quando eu cheguei no Vasco, eu morei seis anos no alojamento de São Januário. E morei com grandes jogadores. Morei com o Sorato, William, o Carlos Germano... Foi uma experiência de vida maravilhosa. Nós éramos 48 nas categorias de base. E eu convivi com muita gente boa. Eu participei de uma geração vitoriosa no Vasco e ganhamos títulos em todas as categorias. Fomos campeões da Taça São Paulo. É o único título que o Vasco tem. E subimos para o profissional em 92, após a conquista da Taça São Paulo.
A disputa por vaga
- Quando eu subi para o profissional eu encontrei a dificuldade de ter dois jogadores na minha posição de excelente qualidade, o William e Bismarck. Os caras eram enjoados e tinham uma moral danada no clube. Como eu, vinham desde garotos. Só que eram mais velhos. Então, já tinham um histórico e eu tive que esperar a minha vez. Então, em 92, eu ainda tinha idade de juniores. Eu jogava alguns jogos no profissional e voltava. Quando precisavam, eu era puxado. Em 93 fui em definitivo. E fomos tricampeões cariocas. Eu fui parte das três campanhas. Não como titular, mas participei, sempre jogando.
À espera pela oportunidade
- Quando eu subi para o profissional, nós tínhamos o Bismarck e o William, os dois de seleção brasileira. O Bismarck tinha ido para a Copa de 90. O William pegando Seleção direto e voando. Os dois jogavam na minha posição. Eu era o reserva imediato e estava sempre entrando no lugar deles. Quando chegou o Brasileiro de 94, o Bismarck foi vendido e o William estava pedindo muito para renovar. Aí chegou a minha vez. Eu joguei uma sequência de jogos direto no Brasileiro. E em um desses jogos eu me machuquei.
A quase dispensa do Animal
- Eu convivi com muitos craques. Dois deles diretamente: O Edmundo e o Denner. O Edmundo jogamos muito juntos. Ele estava para ser demitido do Vasco devido a problemas extracampo. E um jogo salvou o Edmundo. Um Vasco e Botafogo na preliminar. Ele entrou no segundo tempo. Era o último ano dele de juniores e ele estava para ser desligado. Não era famoso nem nada. E ele pegou a bola na entrada da nossa área e levou até o gol. E ele era ex-jogador do Botafogo, jogou lá no infantil. E saiu por problemas extracampo também. E o presidente do Botafogo na época, o Emil Pinheiro, falou: "Vem cá. Quem mandou esse menino embora? Me disseram que ele era do Botafogo". Aquilo causou um impacto sobre o nome do Edmundo. Ele saiu em todos os jornais e revistas. E ele teve uma valorização absurda.
A lesão
- Tive uma sequência de quase 10 jogos como titular. E depois do jogo contra o Santos, em São Januário, que teve uma briga generalizada, nós perdemos o mando de campo. E fomos jogar com a Portuguesa lá em Juiz de Fora. Campo a mais de 150 km, que a legislação mandava. Nesse jogo com a Portuguesa, naquela época ainda não podia ter três substituições. Eram só duas. Já havia saído o Ricardo Rocha, zagueiro, e o França, meio de campo, machucados. A minha lesão foi por volta de uns 27, 28 minutos do segundo tempo. Carlos Germano jogou a bola na lateral e eu fui dividir com o Zé Maria, lateral da Portuguesa que depois veio a jogar no próprio Vasco, no Flamengo e tantos outros clubes. E eu pisei no buraco, na lateral onde o bandeirinha corre na linha. E tive uma torção muito forte de joelho. Na hora ficou dormente, não doeu muito. Como não podia mais substituir, o doutor chegou para mim e perguntou se dava para voltar. Eu falei que sentia a perna dormente, um estalo. Dá para voltar? Ele falou. Eu falei "não sei". E ele falou: "tenta para ver, que não podemos mais substituir". Até então eu não tinha pisado no chão. Quando eu fui pisar em campo eu não tinha mais joelho. Fui de peito no chão e tive que sair.
A infecção
- Eu peguei uma infecção hospitalar que por pouco eu não perdi a perna. Foi um negócio muito sério. Os antibióticos não faziam efeito. Eu já tinha tido alta para casa quando infeccionou e eu voltei para o hospital. Tive que abrir de novo o joelho, botar um dreno. Só que isso me deixou com sequelas. Isso me deixou com uma folga no joelho. Fiquei com problema articular, minha perna não dobra mais. E o doutor falou para mim: "Vitor, você teve esse problema, vai ser difícil, vai ter que ter força de vontade. Vai depender da sua recuperação mesmo". Eu fiquei o ano de 95 todo parado, quando chegou no início de 96, que eu recebi alta para voltar, eu comecei a ter muitas dificuldades para fazer os movimentos, porque eu tinha muita insegurança por tudo que eu passei. Eu voltei e não conseguia dar mais sequência. Vivia com o joelho inchado. Tomava uma pancada e inchava. Fazia um movimento e inchava. E cada vez que inchava ficava 15 dias parado, com fisioterapia. Aí voltava novamente. Tomei várias infiltrações. Até que o doutor chegou para mim e falou: "você tem duas opções. Ou vai conviver com isso aí pelo resto da sua vida ou vai ter que abreviar sua carreira".
O fim precoce
- Eu fiquei 10 anos no Vasco. Cheguei lá com 14 para 15 anos. E saí com 24 para 25 anos. Mas saí porque tive um problema. Eu fiz uma cirurgia de ligamento no joelho e peguei uma infecção hospitalar. Aí complicou minha recuperação toda. Eu fiquei com sérios problemas de articulação. Até hoje eu tenho problemas com isso. Para continuar a carreira foi inviável. Porque o meu joelho não suporta mais a carga de exercícios que um atleta profissional exige. Aí eu parei com 25 anos. E parei em um momento em que estava vivendo o meu melhor momento no clube. Porque eu peguei uma geração vencedora no Vasco.
A decisão mais dura
- Foi muito difícil parar. Na verdade ninguém pensa em viver uma situação como esta. A gente pensa que a média de um jogador é parar com 35, 38 anos. E eu parei no meu auge. No meu melhor momento. Tudo aconteceu no meu melhor. Hoje eu entendo que são os desígnios de Deus mesmo. Não era para ser. Um motivo maior. Mas até eu entender isso, não foi fácil, não.
Anos para superar
- Foi um drama. Eu apostei tudo. Eu tive muita dificuldade de absorver isso na minha cabeça. Meio que revolta. A gente tem uma projeção de vida, planeja tudo e, de repente, você vê tudo acabar em um piscar de olhos. Mas está superado. No início foi tudo muito difícil. Eu passei os primeiros anos, eu olhava os caras jogando e eu chorava. Tristeza por saber que tinha condições de estar ali, potencial e tudo. Mas passou... Até me emociono (choro). Não foi fácil. Eu não pensava em nada diferente disso. Eu sempre quis ser jogador de futebol. Eu sempre pensei ser jogador de futebol. Não foi uma coisa que aconteceu por acaso. Era um sonho de criança e eu busquei realizar esse sonho. Eu me empenhei muito para isso. Eu me preparei fisicamente, psicologicamente. Tanto que fui aprovado em um treino só. Normalmente se fazia três. Um jogo só eu fiquei no banco e depois fui titular e nunca mais saí. Foi difícil, porque quando eu parei eu tive que estudar. Fiz faculdade, fiz administração, gestão imobiliária. E como meu pai já trabalhava no ramo, eu vim trabalhar com ele e dei um seguimento. Mas não era o que eu queria. Está superado, mas fica a lembrança.
A parceria com Denner
- Nos jogamos com o Fluminense no Maracanã, eu concentrei com ele no sábado. Domingo jogamos. Como a família dele era de São Paulo, e ele já tinha três filhos, foi para São Paulo e, na terça-feira de manhã, já tinha reapresentação. Aí, quando eu estou saindo lá do meu prédio, o porteiro falou "Olha, morreu um amigo teu ai num acidente de carro". Apesar de a gente ter tido pouco tempo, ele é aquele cara que chega e te conquista, que já faz amizade com todo mundo, alegre. Eu me concentrei várias vezes com ele. E eu tive essa situação de concentrar com ele na véspera da morte dele.
Denner seria um "Neymar"
- O Denner seria, assim como hoje a gente tem o Neymar, o Denner seria um Neymar. O Denner tinha todas essas características. Ele partia para cima, uma habilidade impressionante, fazia gols. Então, ele, com certeza, seria um Neymar de hoje. Tinha tudo para ser um Neymar
Vasco para sempre no coração
- Eu acompanho o Vasco, vira e mexe vou a São Januário, tenho muitos amigos lá. Tanto é que eu falo que, para mim, o Vasco não é um time. O Vasco é minha segunda casa. Eu morei lá dentro. Eu conheço cada buraquinho daquele estádio. Eu vivi seis anos dentro do clube. Morava no clube. Acordava e dormia lá dentro. Depois quando saí do alojamento, continuei no Vasco, continuei ali dentro. Então, tenho uma raiz muito forte com o clube. Além de já ser vascaíno. Meu pai é vascaíno, a família também.
Apesar do fim precoce, a realização
- Foi maravilhoso (chegar ao Vasco). Meu pai sempre foi o meu grande incentivador. Quando ele ficou sabendo que eu ia para o Fluminense, ele ficou com um misto de satisfação e decepção. Satisfação por saber que eu ia para um grande clube também. Mas decepção porque o sonho nosso era jogar no Vasco. E eu estava decidido a ir. Mas como apareceu essa oportunidade de fazer um treino no Vasco, a coisa casou. Foi tudo dentro do contexto. Eu queria mesmo que acontecesse. E foi uma alegria muito grande.
Fonte: GloboEsporte.com