Apenas 9 técnicos, incluindo Milton Mendes, poderiam ficar no cargo em 2019 com nova regra da CBF
Apenas nove treinadores de times da Série A do Campeonato Brasileiro estariam aptos a trabalhar no torneio se já estivesse em vigor o regulamento estabelecido pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) neste ano, que obriga os técnicos a obterem licenças de especialização na área. A regra passará a valer a partir da temporada 2019.
Segundo levantamento realizado pela Folha, Marcelo Cabo (Atlético-GO), Roger Machado (Atlético-MG), Eduardo Baptista (Atlético-PR), Claudinei Oliveira (Avaí), Jair Ventura (Botafogo), Vagner Mancini (Chapecoense), Fábio Carille (Corinthians), Zé Ricardo (Flamengo) e Milton Mendes (Vasco) já concluíram ou estão em fase final de conclusão de cursos de nível suficiente para comandar times profissionais, como estabelecido pelo regulamento.
Desde 2015, são oferecidos pela CBF quatro cursos (Licença C, B, A e Pro), que prepararam os técnicos para atuar em vários níveis, de escolinhas de futebol (C) a times profissionais (A e Pro). Mas mesmo antes disso, desde 2009, a confederação homologava cursos equivalentes que eram feitos por terceiros.
Hoje não existem restrições para uma pessoa trabalhar como treinador no país.
"É uma valorização para a nossa profissão. É bom para o crescimento de todos, já que é aprendizado essa troca de informações", afirmou Fábio Carille, 43, técnico do Corinthians, que tem a licença A e faz o curso Pro da CBF.
Além dos profissionais que já obtiveram a licença, a confederação também aceitará que os clubes contratem profissionais que estejam matriculados em seus cursos ou programas equivalentes.
A reportagem apurou, porém, que caso muitos técnicos não consigam obter a licença, a regra pode ser flexibilizada com a concessão de licenças especiais para treinadores com experiência reconhecida e até com o adiamento da aplicação da regra.
A Conmebol planeja adotar regra semelhante em 2021.
RECONHECIMENTO
Apesar de virar obrigatório para a Série A a partir de 2019, a certificação da CBF ainda não é reconhecida pela Uefa. Técnicos brasileiros não podem trabalhar na Europa.
A situação deve ser modificada. Desde 2016 a CBF busca a equivalência das suas licenças com as europeias. Maurício Marques, coordenador dos cursos da CBF, tratou do assunto na Conmebol.
"Fizemos um convite para os profissionais que gerenciam o curso da Uefa e da Ásia analisarem o nosso. Estamos buscando o reconhecimento mútuo. Nosso conteúdo tem carga horária e níveis maiores do que os deles", disse.
A carga horária total dos cursos da CBF, do C ao Pro, é de 800 horas. Para obter as três licenças da Uefa, os técnicos gastam 678 horas.
"Temos que conseguir a equivalência para colocar nossos técnicos em pé de igualdade no mercado internacional", diz Marques.
Na elite do futebol do país, apenas Milton Mendes, 52, que é naturalizado português, obteve as licenças necessárias para trabalhar em solo europeu t—em a Uefa Pro, que precisa ser renovado a cada duas temporadas. O técnico vascaíno afirmou que demorou oito anos para obter todas as licenças.
"O Brasil tem um celeiro bom de técnicos, mas precisa equiparar seu curso com o da Uefa. Os técnicos não saem do país porque não têm certificação", disse, defendendo que os treinadores brasileiros devem estudar mais.
"O Brasil sempre exportou técnicos e agora não faz mais isso. Não é porque você foi jogador que não precisa estudar", completou o treinador, que foi estagiário do português José Mourinho.
CUSTO
Vice-presidente da FBTF (Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol), Dorival Júnior, atual treinador do Santos, afirmou que as licenças e os cursos promovidos pela CBF custam caro e são elitizados. Ele pede a massificação.
São quatro as licenças oferecidas pela entidade que comanda o futebol brasileiro. Para consegui-las, o profissional tem que desembolsar aproximadamente R$ 40 mil. O técnico pode pular etapas após análise de currículo.
A Licença C, que custa R$ 5.267,50, qualifica o profissional para atuar em escolinhas de futebol. Com o valor de R$ 7.250,80, a Licença B permite ao técnico trabalhar nas categorias de base. Com o diploma nível A (R$ 9.926,00), já é possível dirigir uma equipe principal. Já a categoria Pro, que é a mais avançada, sai por R$ 18 mil.
"Respeito, mas combato muito por ser um curso elitizado para a formação de um profissional. Um ex-jogador dificilmente terá condições de fazer esse curso. Tudo é muito bonito, muito legal, mas é muito caro", disse Dorival Júnior, que se formou em educação física em 1983.
"Estamos olhando apenas a Série A, mas a grande maioria dos treinadores brasileiros não têm condições. As federações poderiam ajudar bancando parte desse valor. É um investimento que enriquece e ajuda o futebol de uma maneira geral", acrescentou.
A CBF diz que tem intensificado os esforços para capacitação dos profissionais do futebol e já realizou cursos em seis Estados: Rio, São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Minas.
"Nossa ideia é que sejam feitos em todas as regiões. Estamos analisando ofertar bolsas e estímulos para que possamos ter mais profissionais capacitados", disse Maurício Marques, coordenador dos cursos da entidade.
Neste ano, a CBF também implantou o registro de contratos dos técnicos, o que não existia.
"É importante para que no futuro o profissional tenha direitos básicos, como a previdência, seguro de vida e de acidentes pessoais, nos mesmos moldes do que é oferecido aos jogadores", afirmou Reynaldo Buzzoni, diretor de Registro, Transferência e Licenciamento de Clubes.
Fonte: Folha de S.Paulo