E a maldição do vice foi passada adiante

Vasco 1x0 Flamengo (Campeonato Estadual 1982)

O título do Campeonato Carioca de 1982 foi decidido num supercampeonato entre Flamengo, o vencedor do primeiro turno (Taça Guanabara); América, o vencedor do segundo turno (Taça Rio); e o Vasco, que obteve mais pontos na soma geral. Na primeira partida, Vasco 1, América 0, gol do zagueiro Ivan, com uma grande atuação do goleiro Acácio. Ambos estiveram na reserva durante todo o campeonato e haviam sido promovidos a titulares pelo técnico Antônio Lopes na semana anterior a partida, juntamente com Galvão, Ernani e Jérson.

Com a vitória do Flamengo sobre o América, também por 1 a 0, Vasco e Flamengo ficaram mais uma vez de decidir o título estadual, no dia 5 de dezembro. Foi, para o Vasco e sua torcida, uma das mais inesquecíveis e deliciosas finais de todos os tempos:

Jornal dos Sports

Acabou-se a maldição do vice: o Vasco da Gama é merecidamente o campeão do Rio de Janeiro, título conseguido ontem ao derrotar o Flamengo por 1 a 0, gol de Marquinho aos 3 minutos do segundo tempo, num jogo presenciado por 113.270 pessoas, que proporcionaram a renda de Cr$ 83.219.900,00 (Ingresso: JPEG, 12k). Foi um jogo digno de uma decisão. Junior foi expulso aos 26 minutos do segundo tempo por ofensa ao juiz José Roberto Wright. O grande vitorioso foi o técnico Antônio Lopes, que teve a coragem de substituir meio time nos jogos decisivos.

Vasco - Acácio; Galvão, Ivan, Celso e Pedrinho; Serginho, Ernani e Dudu (Marquinho); Pedrinho Gaúcho (Rosemiro), Roberto e Jérson. (JPEG, 51k)

Flamengo - Raul; Leandro, Figueiredo, Marinho e Junior; Andrade, Adílio (Vítor) e Zico; Tita, Nunes e Lico (Wilsinho).

Juiz - José Roberto Wright, auxiliado por Luís Carlos Félix e Élson Pessoa.

Observações - Figueiredo, Andrade, Tita, Junior, Ernani, Dudu receberam cartão amarelo. Junior recebeu cartão vermelho.

PRINCIPAIS LANCES

Primeiro tempo

1 minuto - Falta de Ernani sobre Lico, próximo da área do Vasco: Junior cobra, a bola bateu na barreira e voltou para Nunes, que rolou para Andrade e este chutou forte, à esquerda de Acácio.

6 minutos - Pedrinho Gaúcho penetrou pela direita e cruzou para a área, mas a bola bateu em Junior e foi para corner.

8 minutos - Boa jogada individual de Zico, que tocou para Adílio e este deu a Lico, que emendou forte, mas a bola bateu na rede, por fora.

10 minutos - Adílio penetrou em velocidade e chutou com perigo, à direita de Acácio.

17 minutos - Após uma falha da zaga do Vasco, Lico chutou forte, a bola bateu em Celso, voltou para Zico, que emendou para fora.

19 minutos - Roberto perde boa oportunidade de gol. Dudu lancou a bola para Pedrinho, que cruzou na medida. Mas Roberto foi tentar o drible, ao invés do chute, e perdeu a bola para Junior, que salvou na hora certa.

23 minutos - Roberto bateu a falta por cobertura e Raul fez grande defesa para corner. Na cobranca, a bola veio cruzada, tocou em Andrade e saiu rente à trave direita.

26 minutos - Celso tocou para corner na hora certa, pois Nunes estava livre para testar para o gol.

27 minutos - Adílio cruzou pelo alto e Nunes emendou de bicicleta, mas em cima de Acácio, que fez a defesa.

30 minutos - Raul faz grande defesa e evita gol certo do Vasco: Dudu lançou Jérson, que ficou cara a cara com o goleiro e tentou o chute por cobertura, mas o goleiro defendeu.

33 minutos - Tita perde gol certo ao chutar para fora, após um passe de Nunes, que ganhou a bola de Pedrinho na raça.

44 minutos - Lico fez boa jogada, passou para Tita, que tentou na frente, mas Zico chegou atrasado e Celso atrasou no momento certo para Acácio.

Segundo tempo

1 minuto - Jérson recebeu o lançamento pela esquerda, entrou livre e cruzou muito forte para Marquinho. Raul só olhou e a bola saiu pela linha de fundo.

2 minutos - Contra-ataque perigoso do Vasco: Ernani tabelou com Roberto, que tocou na frente e chutou violento, mas Raul espalmou a corner.

3 minutos - VASCO 1 A 0: Na cobranca do corner, Pedrinho Gaúcho bateu fechado e de curva, pelo alto. Marquinho, que havia entrado no lugar de Dudu, estava colocado junto da trave e desviou de cabeca, sem defesa para Raul. (RA, 140k)

4 minutos - Roberto fez excelente jogada individual e quando ia marcar o segundo foi derrubado por trás por Junior.

5 minutos - Na cobrança, pelo próprio Roberto, quase gol do Vasco: o chute foi forte e bem colocado, mas a bola bateu no travessão e na sequência Raul defendeu.

10 minutos - Ótima defesa de Acácio: ele saiu muito bem do gol, quando Zico entrou livre para empatar, com um chute forte.

14 minutos - Leandro avançou pela direita e fez o cruzamento pelo alto: Nunes subiu para tentar cabecear, mas Acácio saiu bem do gol e fez a defesa.

16 minutos - Pressão do ataque do Flamengo, que obrigou Celso a colocar a bola para corner duas vezes seguidas.

22 minutos - Marinho estava avançado e, após um cruzamento sobre a área do Vasco, testou a bola rente à trave.

24 minutos - Leandro recebeu livre pela direita, mas demorou a chutar e permitiu que Pedrinho entrasse na dividida e tocasse para corner.

26 minutos - Junior fez falta, reclamou do árbitro e foi expulso.

32 minutos - Excelente defesa de Acácio, que subiu para fazer a defesa na hora em que Zico ia cabecear.

34 minutos - Marquinho perdeu a oportunidade para marcar o segundo gol: ele recebeu um passe de Roberto na medida e chutou forte, mas a bola bateu no travessão e na volta Figueiredo rebateu para a frente.

37 minutos - Rosemiro entrou livre pela direita e perdeu ótima chance para marcar o gol.

Roberto acha 1 a 0 pouco (entrevista ao Jornal do Brasil)

Assediado de todas as formas, entre um cumprimento e outro, o maior ídolo do Vasco, Roberto, estava feliz, e comentou que o resultado foi injusto.

- É claro que merecíamos ganhar de mais. Eu diria que, no minimo, 3 a 0. Mas foi só de um e estou satisfeito. Mas devemos o sucesso na campanha ao trabalho feito no início da temporada. A maior prova disso é que, sem ganharmos o primeiro e o segundo turno, acabamos somando mais pontos que Flamengo e América e entrando na decisão.

O artilheiro distribuiu dezenas de diplomas de campeão, com sua foto e o escudo do clube. Na saída, protegido por dois seguranças, ainda declarou que o Vasco só somou tantos vice-campeonatos por que Deus quis.

- Me apontem outra razão. Só da última vez, vencemos duas vezes para, finalmente, perder na terceira. O Flamengo não admitia perder desta vez, a se levar em conta declarações de seus dirigentes e jogadores. Mas futebol se ganha no campo, e não fora dele. E dessa vez, o Vasco queria e sabia como ganhar o título de campeão estadual.

Washington Rodrigues (Jornal dos Sports)

Foi uma vitória justíssima do Vasco, que mereceu conquistar o campeonato.

O Vasco enfrentou uma série de problemas e entrou na final conturbado com eleições que coincidiram com o momento decisivo do campeonato. E os três candidatos - Calçada, Agatirno e Eurico - tinham seus candidatos a treinador e nenhum deles era o Antônio Lopes. E o técnico do Vasco já estava pronto para arrumar suas malas.

De repente, na véspera da decisão, Lopes muda cinco jogadores porque o time não inspirava confiança ao técnico. Mudou meio time. E entrou na disputa como a terceira força. Todos apontavam o América como o melhor e o Flamengo, como segundo, pela tradição. O Vasco estava destinado a cumprir o papel de índio em filme de John Wayne: morrer nos primeiros dez minutos de filme. Mas a história se modificou e o Vasco foi o campeão, mudando todo o enredo que haviam preparado.

A vitória de hoje tem muito mais a ver com o trabalho de Lopes. Eu gostaria de dizer à torcida do Vasco, no momento em que as águas vão rolar e a memória vai ficar cada vez mais curta, que ela deve pensar bem no que aconteceu nos últimos dias. Foi o trabalho de Antônio Lopes, na sua audácia, sua coragem, sua determinação que fez o Vasco sair o vencedor do título de 1982, com todos os méritos.

O Vasco entrou muito bem armado, taticamente perfeito, com um plano de jogo bem bolado e o coração na ponta das chuteiras. De repente, Acácio, Galvão, Ivan, Marquinho, Ernani e Jérson deram tudo para justificar a confiança que o treinador depositou neles num momento decisivo do campeonato. Por isso, Lopes merece todos os elogios. Forjou seu time em fibra de aço, fazendo cada um crer na sua própria força.

No primeiro tempo, o Flamengo pensou que tinha o domínio do jogo, mas só dominava de intermediária a intermediária, sem achar buracos para penetrar. O Vasco, quando falhou, foi apenas por nervosismo de um ou outro jogador. Falhas táticas não apareceram. Foi uma vitória justa de um grande campeão. E a torcida merecia.

Sandro Moreyra (Jornal do Brasil)

Acabou o longo reinado do Flamengo. O Vasco é o novo campeão do Rio de Janeiro, um título que ele conquistou superando o Flamengo na decisão de ontem em todos os sentidos, até mesmo na garra que sempre foi uma tradicional arma dos rubro-negros.

Desde os primeiros instantes da partida sentiu-se que o Vasco entrou em campo para ser campeão. Era o time que procurava jogar coletivamente, sem nenhuma preocupação individualista, com todos os seus jogadores conscientes da importância do jogo. Era uma decisão e foi dentro desse espírito que jogou o Vasco. Em nenhum momento qualquer jogador fraquejou ou se mostrou indeciso. Todos tinham um papel a cumprir e o executaram com total aplicação. O Flamengo ciscava daqui e dali em busca de espaços e não os encontrava. O Vasco era um bloco. Poucas vezes um time lutou tanto por um título como fez ontem o Vasco.

Sua vitória foi, por isso, incontestável, legítima, altamente meritória. O Vasco é campeão porque foi com sobras o melhor. Do excelente goleiro Acácio ao ponta-esquerda Jérson, o time jogou como se deve fazer numa decisão. A glória da vitória pertencem a todos eles. Um destaque especial merece, porém, o técnico Antônio Lopes. Sua corajosa decisão de mudar metade do time na hora das finais, que assustou alguns e foi criticada por muitos, teve extraordinária influência nessa conquista. Ao se revelar ali um autêntico comandante, Antônio Lopes transmitiu a seus jogadores a segurança que precisavam. Foi uma cartada decisiva de sua carreira, que Antônio Lopes jogou e ganhou. Está de parabéns.

Campeão na decisão extra face ao regulamento, a supremacia do Vasco pode ser definida e não deixar a menor dúvida se atentarmos para os números definitivos do campeonato: se fosse em números corridos, o Vasco teria chegado sete pontos na frente do Flamengo. Isto basta para não pairar dúvida de que o título foi para as mãos de quem de fato o mereceu.

João Saldanha (Jornal do Brasil)

Francamente eu gosto de "campeonato corrido", quer dizer, aquele em que o vencedor é o time que faz mais pontos na competição. Aquele, da antiga. E o Vasco foi campeão de todo o jeito. Por pontos e na disputa final.

Deve ser ressaltado que nesta partida estavam duas escolas nitidamente diferentes. Opostas, até. Nada disto, entretanto, foi o fator da vitória do Vasco neste Campeonato marcado nitidamente por fatos incontestáveis. O Vasco foi o time regular o tempo todo na disputa. E na final o time mais lutador, mais campeão. Ernani esteve um monstro. Algumas jogadas que este rapaz faz merecem reparos. Diríamos que se excede um pouco. Controlado, dará coisa muito boa. E outros. Os dois Pedrinhos, o Marquinho, que se joga no primeiro tempo poderia ter sido mais coisa ainda. O próprio Dudu que, não se sabe porque, cansa sempre. O Roberto, que apesar de estar se cuidando o jogo todo obrigava o Flamengo a estar de olho nele, permanentemente.

Wilson de Carvalho (Jornal dos Sports)

No peito, na raça, na valentia, na garra, coragem e na ténica do segundo tempo, o Vasco foi o grande campeão de 82. De fato e de direito. O Flamengo tentou tudo, mas os seus principais jogadores voltaram a atuar mal. Junior, que estava bem, acabou perdendo a cabeça. O Vasco estava avassalador, imbatível. Estava preparado para ser um grande campeão e acabar com uma longa série de vice-campeonatos. Valeu, Vasco: o futebol também é coração e tudo isso você mostrou aos quase 120 mil torcedores.

Poucos acreditavam no Vasco. Era só verificar o número de fotógrafos e repórteres atrás dos gols. No de Acácio, 42; no de Raul, 19. O Flamengo tentava o bi e a reabilitação da desclassificação da Libertadores. Mandara até confeccionar faixas. Na Gávea, só se falava que o Flamengo era o maior na hora da decisão. Nessa decisão sensacional, nem o América acreditou muito no Vasco. Só ele próprio e sua torcida. E os seu jogadores, verdadeiros heróis, participantes de uma vitória em que se honrou como nunca a camisa vascaína. Foi assim que o Vasco ganhou o Campeonato Estadual de 82. No peito e na raça. Ou como disse um torcedor na explosão da alegria ao final do jogo: com um time de macho.

Renato Maurício Prado (O Globo)

O Vasco é o novo campeão do Rio de Janeiro. Após quase cinco anos de sofrimento, chegando a todas as finais, mas sendo invariavelmente batido na hora das decisões, seu time obteve ontem a tão sonhada recompensa. Conquistou o título com uma irretocável vitória, por 1 a 0, sobre o Flamengo e levou ao delírio a imensa torcida vascaína, que deixou o Maracanã fazendo um autêntico carnaval pelas ruas da cidade e desforrando-se, finalmente, dos torcedores rubro-negros, seus maiores adversários e algozes nos últimos anos.

Foi uma vitória da garra, do espírito de luta e acima de tudo, do coração vascaíno. Uma vitória conquistada palmo a palmo em um jogo vibrante e contra um adversário que lutou até o apito final do juiz. O resultado, porém não poderia ser mais justo. Apesar de toda a disposição rubro-negra, foi o Vasco quem teve as melhores oportunidades para marcar - principalmente, no segundo tempo, quando por duas vezes as traves de Raul salvaram gols vascaínos.

Antônio Maria Filho (Jornal do Brasil)

O título está em muito boas mãos. O Vasco jogou e venceu como um verdadeiro campeão. Se seus jogadores viviam assombrados pelo fantasma do vice, não demonstraram isso em campo. Ao contrário, exibiram maior poder de decisão, levaram o adversário ao desespero e a vitória de 1 a 0 acabou sendo pouco.

Não foi apenas a vitória do futebol, mas sobretudo a vitória da humildade de um time, considerado inferior tecnicamente ao do Flamengo, mas que no momento de decidir se apresentou superior, mais objetivo e acima de tudo mais frio. O vascaíno (torcedor, jogador e dirigente) soube aguardar o momento de comemorar a vitória e, quando o juiz terminou a partida, a festa teve início, uma festa que certamente se estenderá por muitos dias.

Sérgio Cabral (O Globo)

Se o Vasco da Gama não tivesse conquistado o título de campeão no jogo de ontem contra o Flamengo, o futebol teria vivido um dia de grande tristeza. O que se pode exigir de um time para ganhar um campeonato? Fibra? Aplicação tática? Talento individual? Pois o Vasco esbanjou tudo isso na decisão, quando poderia perfeitamente ter vencido de dois, três a zero, por ter sido superior ao seu adversário durante os 90 minutos.

Ninguém jogou mal na equipe vascaína. Ou melhor: ninguém jogou mais ou menos. O time inteiro esteve tão bem que há vários jogadores dignos de entrarem numa relação de melhores em campo, como Pedrinho, Serginho, Ernani, Roberto e Jérson. Mas Acácio, Galvão, Ivan, Celso, Dudu, Marquinho, Pedrinho Gaúcho e Rosemiro também apareceram brilhantemente durante o jogo inteiro, executando um sistema de jogo que permitiu ao Flamengo raras oportunidades de gol e que proporcionou ao Vasco inúmeras outras. Foi um dia de glória para o atual elenco do Vasco, não só pelo título conquistado, mas também pela enorme competência com que enfrentou o poderoso adversário.

Foi uma exibição maravilhosa a do Vasco. Tão boa que não se pode dizer apenas que foi a melhor de 1982. Ela abriu perspectiva para a formação de uma equipe capaz de acabar com a hegemonia do Flamengo e conquistar muitos títulos.